A corrupção da democracia – Kazuaki Tanahashi

por Fábio Rodrigues

Além de sua trajetória como artista, tradutor e contemplativo, Kazuaki Tanahashi tem décadas de experiência direta com o ativismo em favor da paz, do meio ambiente e do desarmamento. Quando esteve no Brasil, em 2018, perguntamos a ele sobre o problema da corrupção na democracia. Abaixo está o vídeo com suas ideias e também um breve texto propondo 10 princípios para uma democracia mais justa.

Morando nos Estados Unidos, Sensei Kaz fala usando o país como exemplo. Sabemos que as diferenças entre os métodos de financiamento, campanha e sistemas eleitorais dos Estados Unidos e do Brasil são enormes, e também a cultura e o tipo de relação que as duas sociedades têm com a política são muito diversos.

Ainda assim, temos algo bem importante em comum: a necessidade urgente de democracias justas e eficazes, que incluam e sejam de benefício real para todas as pessoas. Será que as ideias de Kaz podem nos inspirar? Quais seriam os princípios de uma democracia justa na realidade de nosso país e tempo?

A tradução das legendas foi generosamente feita pela Geovana Colzani, a do texto pelo Helmut Kennedy, e a revisão é do Fábio Rodrigues.

Ative a legenda canto inferior direito do vídeo

Dez leis da democracia justa

Quando a democracia é genuína e totalmente funcional, as opiniões e necessidades de indivíduos, organizações e corporações são igualmente refletidas nas eleições, na formulação de políticas e governança. Por outro lado, quando a influência de grandes quantias de dinheiro é proeminente, as eleições, a formulação de políticas e a governança são conduzidas para o benefício de grandes corporações e indivíduos ricos. Isso é corrupção.

Muitos aspectos de nossa crise global são causados pela plutocracia — uma influência dominante e avassaladora do dinheiro na política. O sofrimento que a maioria de nós experimenta por causa das enormes lacunas na distribuição de renda, mudanças climáticas, destruição ambiental, explosão populacional, guerras contínuas e potenciais, produção de armas de destruição em massa e gastos militares astronômicos são resultados diretos da concentração de riqueza e poder no mãos de poucos. Plutocracia é uma corrupção da democracia. Uma questão social central do nosso tempo é combater essa corrupção e criar uma democracia que seja justa e funcional.

Kaz Tanahashi discursando em ato no laboratório de Los Alamos, onde a bomba atômica foi inventada

O que seria, então, uma democracia justa? Para responder a esta pergunta, proponho Dez Leis da Democracia Justa:

  1. Uma democracia justa significa que as opiniões e necessidades de todas as partes interessadas, independentemente da quantidade de recursos que possuam, se refletem igualmente nas eleições, na formulação de políticas e no governo.
  1. Uma democracia justa também significa que, em última análise, qualquer um pode se candidatar a um cargo político sem gastar seu próprio dinheiro e sem pedir dinheiro a terceiros. Assim, eleições, formulação de políticas e governo são feitos para o bem da sociedade, sem serem influenciadas por quem contribui com dinheiro ou faz favores aos políticos. No entanto, antes que esse sistema seja implementado, deve haver um esforço para limitar o financiamento dos candidatos e seus apoiadores. Quaisquer fontes de financiamento aceitas devem ser pontuais e totalmente transparentes.
  1. Uma democracia justa só é possível quando existe liberdade de interferência por um país estrangeiro e quando é proibida a influência de grandes quantias de dinheiro nas eleições, formulação de políticas e governos.
  1. Uma democracia justa só é possível quando a doação de pequenas quantias de contribuições políticas de indivíduos, organizações e corporações são legalmente permitidas e há total transparência nas finanças relacionadas à campanha.
  1. Todo indivíduo, organização e corporação tem o direito de pressionar seus representantes eleitos a favor de seus interesses. No entanto, uma democracia justa só é possível quando grandes gastos para fins de lobby são proibidas.
  1. Uma democracia justa só é possível quando todos os candidatos qualificados têm igual acesso para expressar suas opiniões por meio de debates públicos e meios de comunicação diversos.
  1. Uma democracia justa só é possível quando os eleitores acima de certa idade têm o direito de votar sem restrições, inconveniências e regulamentos excessivos.
“Paz para todos nós”, poster de Kazuaki Tanahashi, 1991
  1. Uma democracia justa só é possível quando gerrymandering* é proibido.

    [*Esta expressão não tem uma palavra correspondente em português e não faz parte do sistema eleitoral brasileiro. É uma prática que ocorre em países em que as eleições são decididas pelo voto distrital, como os EUA.]
  1. Uma democracia justa só é possível quando todos os indivíduos, organizações e corporações estão empenhados em agir com justiça, evitando exercer influência indevida por meio de grandes doações de dinheiro gastas em eleições, formulação de políticas e governos.
  1. Uma democracia justa só é possível quando todas as leis e regulamentos eleitorais são rigorosamente aplicadas.

Como alcançamos isso? Com uma visão clara, boa estratégia, boa educação, boa comunicação e voto por maioria. Alguns colegas meus e eu iniciamos o Fair Democracy Think Tank em 2018. Pedimos a muitas pessoas, incluindo especialistas em ciências sociais e políticas, direito e assuntos militares, que nos dessem ideias sobre como atingir nosso objetivo. Posteriormente [em um livro que está em criação], dividirei a questão da democracia justa em componentes e examinarei uma série de opções para atingir a meta.

“Fair Democracy”, poster de Kazuaki Tanahashi e Martijn Robert, 2018

Assim que a maioria dos cidadãos perceber que foi enganada pela propaganda e lavagem cerebral dos mais ricos para o benefício dos mais ricos e souberem o que é melhor para a maioria, eles se beneficiarão. Assim que alcançarmos uma democracia justa, lhes asseguro que os Estados Unidos terão saúde universal gratuita, educação pública universal gratuita, empregos para todos com salários mais elevados do que o mínimo necessário, estradas bem conservadas, bem como outras infraestruturas, e cidades seguras. Assim que a maioria votar pela maioria, a nação será uma das mais felizes do mundo e não será mais conhecida como o paraíso dos proprietários de armas, líder global no uso de antidepressivos e a superpotência das prisões.