Nenhuma situação é impossível de ser mudada (por Kazuaki Tanahashi)

por Fábio Rodrigues

As Quatro Nobres Verdades ensinadas por Buda Shakyamuni logo após sua iluminação têm funcionado no budismo como a compreensão mais essencial da vida e como sugestões de caminhos para atingir a liberação. Elas são: 

  1. O sofrimento é pervasivo na vida
  2. A causa do sofrimento é o desejo autocentrado
  3. O nirvana (experiência de não dualidade) é a esfera livre do sofrimento
  4. O meio para atingir o nirvana é a prática do nobre caminho de oito passos

O Nobre Caminho Óctuplo é a compreensão correta, o pensamento correto, a fala correta, a ação correta, o modo de vida correto, o esforço correto, a atenção correta e a concentração correta. O objetivo desses princípios é resgatar as pessoas de suas aflições para que possam atingir a liberação pessoal. Serviços sociais como cuidar de doentes e idosos, alimentar os famintos e educação sempre foram elementos importantes na prática budista. Com relação a isso, o budismo tem se engajado em questões sociais no decorrer da história.

Mas quando um número crescente de pessoas no Ocidente começou a praticar o budismo na última metade do século XX, surgiu o conceito de Budismo Engajado. É uma tentativa de aplicar os ensinamentos budistas no âmbito da transformação social, incluindo a paz e o meio ambiente. Então, surge uma pergunta: As Quatro Nobres Verdades são suficientes como princípios para a transformação social? Ou precisamos de outros princípios para o engajamento social?

Sensei Kaz Tanahashi no Upaya Zen Center

Alguns podem achar que as Quatro Nobres Verdades são suficientes e que precisamos apenas reinterpretá-las nos tempos em que a sobrevivência da humanidade e do planeta estiverem em jogo. Outros podem achar que precisamos de novos princípios de ação para complementar as Quatro Nobres Verdades. Pessoalmente, senti a necessidade de sintetizar a crença básica e o senso comum que tenho seguido inconscientemente durante meu trabalho com a paz e o meio ambiente. Assim surgiram as “quatro verdades comuns”. Elas são:

  1. Nenhuma situação é impossível de ser transformada
  2. Uma visão comunal, uma estratégia excepcional e esforço contínuo podem produzir mudanças positivas
  3. Cada pessoa pode ajudar a fazer diferença
  4. Ninguém está isento de responsabilidade.

Você pode perceber a presença do ensinamento do Buda sobre a impermanência no primeiro princípio. Como sugeri, esses princípios foram inspirados nos ensinamentos de Buda, há dois mil e quinhentos anos. Mas a ação pela paz, o meio ambiente e a justiça social não devem ser confinados à religião ou ideologia. Do mesmo modo, esses princípios devem ser universais. Eles devem ser testados em todas as situações por todos os grupos antes que possam ser definitivamente chamados de “verdades”. Até lá, esses quatro princípios são meros candidatos à verdade.

Dez leis do avanço*

[*A palavra que Kaz usa em inglês é “breakthrough”, que é mais rica de significados do que a palavra “avanço” e tem originalmente uma conotação militar. “Revolução” ou “transformação” talvez sejam alternativas para a tradução ao português, sem conotação militar.]

Quando uma mudança que parecia impossível se torna possível, nós chamamos isso de avanço.. O avanço pode ser entendido como um desenrolar repentino e esmagador de liberação de limitações há muito tempo vigentes. Uma mudança pode acontecer no âmbito pessoal (físico, emocional, mental e de padrões de comportamento como vício, obsessão e abuso) assim como em âmbitos relacionais. Também pode ocorrer no âmbito social. Nesse caso, as limitações a serem ultrapassadas podem ser a falta de conhecimento científico ou capacidade técnica assim como a existência do preconceito e injustiça. Portanto o avanço pode ser um conceito chave para a transformação social. Mas, assim como campanha, operação e estratégia, a palavra avanço [breakthrough] está intimamente ligada à ação militar e tem conotações de violência. Ela sugere romper a fronteira e destruir o inimigo.

Como correspondente oriental da palavra avanço, sugiro o ideograma chinês zhuan (pronunciado ten em japonês, chon em coreano e chuyen em vietnamita). Significa “rotacionar”, “girar”, “rolar”, “trocar” ou “transformar”. Essa palavra serve como um lembrete de que nosso verdadeiro objetivo talvez seja mudar a situação, em vez de remover ou romper um bloqueio. Nós podemos querer produzir uma mudança drástica de forma não-violenta, não apenas para os outros mas para o nosso próprio corpo, mente e vida.

“Breakthrough”, pintura de Kazuaki Tanahashi

Tive oportunidade de falar com pessoas de várias áreas, que conheci em conferências e que também participavam dos seminários de pintura onde ensino os processos criativos e de aprendizagem orientais, usando a caligrafia e a pintura Zen como ferramentas principais. “Avanço com o pincel” tem sido um dos temas das minhas aulas. Julian Gresser, uma advogada ambiental, me ajudou a clarificar as “dez leis do avanço”.

  1. O avanço pode ou não acontecer. O resultado é imprevisível e como isso acontece é um mistério. Tudo o que podemos fazer é trabalhar rumo ao avanço.
  2. Alguns avanços são benéficos à vida e outros são destrutivos.
  3. As chances de avanço aumentam quando o objetivo e o processo são claramente comunicados.
  4. As chances para o avanço aumentam quando os bloqueios são claramente identificados
  5. Quanto menor for o objetivo, maiores são as chances de avanço
  6. Um esforço efetivo, intenso e contínuo constrói a base para o avanço.
  7. Quanto mais forças são combinadas, maiores são as chances de avanço
  8. Quanto maior for o objetivo, mais fácil é unir forças para o avanço
  9. As chances para o avanço aumentam quando mais atenção é direcionada para o processo do que para a meta.
  10. O não-apego é um elemento crucial para o avanço

A maioria dessas “leis” são muito diretas e lógicas. As leis 5 e 8 podem parecer contraditórias mas não são. É benéfico ter um grande objetivo para juntar forças, mas para atingir o objetivo, é útil dividir o problema em segmentos menores. As leis 6 e 10 também parecem contraditórias. Apego é fixar-se ao sucesso, o que nos leva ao desapontamento, tristeza e depressão quando fracassamos. Desapego é desistir ou ser indiferente. Por outro lado, o não-apego é a liberdade da fixação a um objetivo, e isso nos ajuda a sermos mais engajados.

Eu acredito que a lei número dois é a mais importante de todas. A sociedade humana, assim como o meio ambiental, está em grande sofrimento devido aos avanços recentes nos campos da ciência, tecnologia e comércio. Nós precisamos examinar rigorosamente se aquilo que queremos atingir será favorável à vida de todos os seres a longo prazo.

©2017, Kazuaki Tanahashi (em Painting Peace: Art in a Time of Global Crisis)