O poder transformador da morte – Frank Ostaseski

por Fábio Rodrigues

O texto abaixo está no maravilhoso livro Os cinco convites: descobrindo o que a morte pode nos ensinar sobre viver plenamente, de Frank Ostaseski. Professor budista pioneiro nos cuidados paliativos, Frank acompanhou mais de 1000 pessoas no processo de morrer e treinou milhares de profissionais de saúde e cuidadores. Ele é um dos professores convidados para o ciclo Vida e Morte que começará no dia 3 de maio na comunidade do lugar. Veja como participar. Tradução de Murillo Antonini e Fábio Rodrigues.


Vida e morte são um pacote completo. É impossível separá-las.

No Zen japonês, o termo shōji [生死] pode ser traduzido como “nascimento-morte”. Não há separação entre vida e morte além de um pequeno hífen, uma linha tênue que as conecta.

Não podemos estar realmente vivos sem manter uma consciência da morte. A morte não está esperando por nós ao final de uma longa estrada. A morte está sempre conosco, na medula de cada momento passageiro. Ela é a professora secreta se escondendo à plena vista. Nos ajuda a descobrir o que realmente importa. E a boa notícia é que não precisamos esperar até o final de nossas vidas para realizar a sabedoria que a morte tem a oferecer.

Nos últimos trinta anos que se passaram, me sentei no precipício da morte com algumas milhares de pessoas. Algumas morreram cheias de decepção. Outras floresceram e caminharam maravilhadas por esta porta. O que fez a diferença foi a vontade de gradualmente viver pelas dimensões mais profundas do que significa ser humano.

Imaginar que no momento de nossa morte contaremos com força física, estabilidade emocional e clareza mental para fazer o trabalho de uma vida inteira é uma aposta ridícula.

Arte de Fábio Rodrigues para apoiar o ciclo Vida e Morte, onde Frank Ostaseski será um dos professores. Saiba mais →

Refletir sobre a morte pode ter um impacto profundo e positivo não apenas sobre como morremos, mas também sobre como vivemos. À luz da morte, é fácil distinguir entre as tendências que nos levam à completude e aquelas que nos inclinam à separação e sofrimento.

A palavra completude [“wholeness”, em inglês] se relaciona com “sagrado” e “saúde”, mas não como se fosse uma unidade vaga e homogênea. Ela é melhor expressa como sendo interconexão. Cada célula em nossos corpos é uma parte de um todo orgânico interdependente que deve trabalhar em harmonia para manter uma boa saúde. Do mesmo modo, tudo e todos existem em uma constante interação de relações que reverberam através de todo o sistema, afetando todas as outras partes. Quando agimos ignorando essa verdade básica, sofremos e criamos sofrimento. Quando vivemos conscientes disso, apoiamos e somos apoiados pela totalidade da vida.

Os hábitos de nossas vidas têm um poderoso momentum que nos impulsiona ao momento de nossa morte. Surge então a óbvia pergunta: Quais hábitos queremos criar? Nossos pensamentos não são inofensivos. Pensamentos se manifestam como ações, que por sua vez se desenvolvem em hábitos, e nossos hábitos por fim se endurecem num personagem.

Nosso relacionamento com os pensamentos pode moldar nossas percepções, desencadear reações, e predeterminar nosso relacionamento com os eventos de nossas vidas. Podemos superar a inércia desses padrões nos tornando conscientes de nossas visões e crenças, e assim fazer a escolha consciente de questionar as tendências de hábito. Visões fixadas e hábitos silenciam nossas mentes e nos levam a viver no piloto automático. As perguntas abrem nossas mentes e expressam o dinamismo de sermos humanos. Uma boa pergunta tem coração, surge de um profundo amor por descobrir o que é verdadeiro. Nós nunca saberemos quem somos e por que estamos aqui se não fizermos as perguntas desconfortáveis.

Sem a lembrança da morte, tendemos a tomar a vida como garantida, ficamos perdidos em buscas intermináveis por autogratificação. Quando mantemos a morte ao nosso alcance, somos lembrados de não nos apegarmos à vida muito rigidamente. Talvez passemos a levar nossas ideias e nós mesmos menos a sério. Talvez soltemos com mais facilidade. Ao reconhecer que a morte vem para todos, podemos apreciar que estejamos no mesmo barco, juntos. Isso ajuda a nos tornarmos um pouco mais bondosos e gentis uns com os outros.

Podemos aproveitar a consciência da mortalidade para apreciar o fato de estarmos vivos, para encorajar a auto-exploração, clarear nossos valores, encontrar significado, e desenvolver ações positivas. É a impermanência da vida que nos dá perspectiva. Assim que entramos em contato com a natureza precária da vida, também apreciamos sua preciosidade. Então, não queremos mais perder nem um minuto. Queremos entrar em nossas vidas inteiros e usá-la de uma forma responsável. A morte é uma boa companhia no caminho de viver bem e morrer sem arrependimento.

A sabedoria da morte tem relevância não apenas para aqueles que estão morrendo e para seus cuidadores. Ela pode também nos ajudar a lidar com perdas, ou situações onde nos sentimos sem controle ou presos em mesquinhez — por exemplo, ao lidar com uma separação ou divórcio, ou uma doença, demissão, desilusão de um sonho, um acidente de carro ou até mesmo uma briga com uma criança ou colega.

Pouco antes do famoso psicólogo Abraham Maslow sofrer de um quase fatal ataque do coração, ele escreveu em uma carta: “O confronto com a morte — e seu adiamento — faz com que tudo pareça tão precioso, tão sagrado, tão bonito que eu sinto cada vez mais forte o ímpeto de amá-la, abraçá-la e me permitir estar maravilhado por ela. Meu rio jamais pareceu tão lindo… A morte e sua sempre-presente possibilidade, torna o amor, o amor fervoroso, mais possível.”

Não sou romântico em relação ao morrer. É um trabalho difícil. Talvez o trabalho mais duro que faremos nessa vida. Nem sempre acaba bem. Pode ser cruel, confuso, bonito e misterioso. Acima de tudo, é algo normal. Todos passamos por isso.

Nenhum de nós sairá daqui com vida.


Vida e Morte: ciclo online sobre impermanência, luto e morte

“Vida e morte são de suprema importância —
impermanentes e rápidas.
Acordem, todos vocês.
Não desperdicem suas vidas.”

(Recitação Zen conhecida como “Hange”)

Estamos vivendo nossos últimos dias. Especialmente no Brasil, a realidade da morte nunca esteve tão próxima: temos mais do que o dobro de mortes diárias do que tínhamos antes da pandemia de Covid-19.

Diante de tanto sofrimento, convidamos grandes seres para nos conduzir por 7 semanas a partir de maio: Ven. Tenzin Chogkyi, Frank Ostaseski, Dra. Ana Claudia Quintana Arantes, Rodrigo Luz e Stela Santin. Foi uma alegria sem fim receber um “Sim!” de cada um deles. Será online e em uma comunidade com cerca de mil participantes de todos os estados do Brasil e de 20 países.

Veja como será e convide pessoas queridas. Que esse ciclo possa te apoiar nesse momento!

Professoras e professores que estarão com a gente no ciclo!

O que vamos explorar

O ciclo será bem prático. Eis alguns dos principais focos:

Saiba mais e participe →