Qual jogo estou tentando ganhar?

por Gustavo Gitti

Quando sentamos em silêncio ou fazemos TaKeTiNa (técnica que usa o ritmo para transformar corpo e mente), detectamos com mais contraste diversas vozes internas que sempre nos acompanham: “As pessoas estão se mexendo, você está imóvel, parabéns!” ou “Entre logo no ritmo, eles estão tão alegres, não fique excluída!”.

Algumas dessas vozes nos atrapalham como um ruído, outras começam a se confundir conosco, como se fossem nós mesmos pensando compulsivamente. Ao descrever e maquiar a realidade, elas nos distanciam do que está presente e configuram um jogo sutil pelo qual definimos quem somos, quem são os outros, o que é a vida e qual será nossa estratégia de ação. Em vez de apenas nos encontrarmos com os outros, passamos a competir, controlar, exigir, se irritar, reclamar, se exibir, excluir, culpar, se rebaixar, tentar agradar…

Quando me sinto frustrado com alguém, ou mesmo quando estou aproveitando uma felicidade condicionada com medo de seu fim, às vezes consigo me perguntar: “Qual jogo estou tentando ganhar?”. E toda vez me surpreendo: os sofrimentos e as crises nunca vêm da realidade, mas de meus joguinhos.

À procura de personagens vencedores, seremos sempre insatisfeitos. Toda vitória, por maior que seja, se encerra nos limites do jogo — e é a preparação mais perfeita para a derrota. Enquanto estivermos preocupados com nossos jogos, seremos incapazes de reconhecer outro ser. Por outro lado, se a sensação de fracasso ou sucesso não mais balizar nosso movimento, será fácil criar brincadeiras lúcidas para beneficiar as pessoas, assim como um avô usa o futebol para se aproximar do neto.

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Cena do filme “Race to nowhere”: desde pequenos somos ensinados que viver é competir rumo ao sucesso (trocamos a ludicidade, brincar sabendo que estamos brincando, pela seriedade)

Quando relaxamos em alguma prática como TaKeTiNa ou meditação shamatha, aprendemos a soltar o controle dos videogames sutis, deixar cair nossa fixação a identidades e táticas. Quando essa liberdade fica um pouco mais estável, é a partir dela que nos relacionamos: de ser para ser, não tanto de personagem para personagem.

Não estamos acostumados a ser olhados assim, tão diretamente, além dos jogos. Para perceber como convivemos de modo utilitário — enxergando todo mundo a partir de nossos interesses e objetivos — imagine que loucura seria sair na rua e levantar o braço para alguém esperando que ele imediatamente nos atenda e traga comida; depois observe como isso parece normal dentro da dinâmica de um restaurante. É por isso que é raro uma pessoa não se sentir profundamente tocada pelo olhar e pelo sorriso de grandes seres como Sua Santidade o Dalai Lama: eles não jogam, então paramos de jogar.

* Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa”, da revista Vida Simples, em abril de 2013.

O texto termina onde a prática começa

Anteontem nos encontramos em 30 pessoas pela terceira vez no curso “Resposta padrão para qualquer problema de relacionamento”. Estamos explorando algumas práticas para treinar diariamente, sozinhos e também em meio às pessoas no cotidiano. O texto acima termina onde o treinamento começa.

Algumas dessas práticas estão sugeridas de modo bem detalhado dentro do lugar. Se você tem interesse em aprofundar seu percurso de transformação, sinta-se convidada(o).