Vamos reflorestar a Amazônia?

por Lia Beltrão

Um convite de Lia Beltrão em nome da Inochi Brasil e da comunidade do lugar

“O processo de savanização na região Sul e Sudeste da Amazônia já começou. Tem cientistas que acham que ali já é irreversível. Eu penso que não. Acho que se conseguirmos segurar o aquecimento global e restaurarmos a floresta em boa parte da área desmatada, plantarmos árvores, plantarmos floresta, o fenômeno pode ser revertido.”

—Carlos Nobre, cientista climático ganhador do Nobel da Paz

Talvez nenhum outro acontecimento contemporâneo seja tão capaz de nos acordar para a interdependência e a verdade de causa e efeito quanto a emergência climática. Os efeitos do desequilíbrio do clima e do colapso de ecossistemas inteiros já são visíveis — dos refugiados climáticos à pandemia, somos cotidianamente atravessados pelo gigantesco dano que nosso modo de vida está causando ao planeta. E para o futuro, as projeções dos cientistas, caso não haja uma mudança radical, são assustadoras. Segundo o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) se não conseguirmos reverter o aquecimento global e mantê-lo abaixo dos 1,5 graus Celsius, o que nos espera é um planeta de temperaturas extremas, escassez de água e alimentos, migrações em massa, crises sociais, políticas e uma cadeia sem fim de sofrimento para humanos e não humanos. Em poucas décadas, Terra se tornaria um planeta — parcial e depois completamente — inabitável.

No entanto, muito ainda pode ser feito para evitarmos esse cenário. É unânime entre cientistas do clima o papel da Floresta Amazônica na luta para reverter o aquecimento global e mitigar seus efeitos. E o que precisa ser feito, como nos lembra o cientista climático Carlos Nobre, é ao mesmo tempo simples e complexo: REFLORESTAR, transformar áreas desmatadas em floresta novamente.

Amazônia como lugar de prática

“A Amazônia é o centro do mundo.”

—Eliane brum

É com muita honra que nós aqui na comunidade o lugar nos tornamos aliados da floresta e de seus povos

Nunca se sabe exatamente quando as coisas começam, mas uma pergunta feita em um encontro de nossa comunidade com o mestre Zen, artista e ativista Kazuaki Tanahashi foi crucial para que a Amazônia se tornasse nosso lugar de prática.  

Para facilitar a realização do projeto no Brasil, Fábio Rodrigues e Lia Beltrão se tornaram membros de conselho da Inochi. Na imagem, membros da Inochi do Brasil, Estados Unidos e Japão: Fábio, Lia, Yuka Saito, Geovana Colzani, Guilherme Valadares, Fusako De Angelis, Kazuaki Tanahashi, João Fortes, Claire Greensfelder e Mayumi Oda (ao telefone, na mão da Claire) em fevereiro de 2022

A pergunta era: diante dos vários problemas do nosso mundo, como podemos agir de maneira eficaz? A resposta do Kaz foi ao mesmo tempo curta e longa. Ele nos ofereceu um método em cinco perguntas para transformar a aflição que sentimos em relação ao que acontece com nosso mundo na realização de uma ação de transformação. Isso gerou o laboratório de auto-organização Pensamento Profundo, Ação Eficaz (PPAE) que se desenrolou em uma série de encontros semanais onde navegamos nesta interseção entre mundo interno e ação no mundo desde 2021. 

Nos primeiros meses do PPAE muitos problemas foram levantados por nossa comunidade e ao apresentá-los ao Kaz ele disse que gostaria de se envolver especificamente em um: na proteção da Amazônia. Fábio Rodrigues, Geovana Colzani, Guilherme Valadares e eu montamos um grupo de ação para tornar isso possível. A ideia do Kaz era levantar fundos que pudessem ser destinados à proteção da floresta através da Inochi, organização sem fins lucrativos fundada por Mayumi Oda e ele que tem apoiado projetos de sustentabilidade e cultura de paz ao redor do mundo.

A que rede iremos nos unir?

Esta é uma das cinco perguntas do método que o Kaz nos propôs no PPAE que nos convida a mapear e se aproximar de iniciativas que já estão realizando ações de transformação dentro da área que nós gostaríamos de atuar. A premissa aqui é: sozinhos nós não avançamos. Quando o Kaz nos contou de sua intenção, ativamos nossa rede. Conversamos com o Professor Ailton Krenak — que já ofereceu ensinamentos profundos e transformadores para nossa comunidade — e pedimos que nos orientasse indicando organizações idôneas, que respeitassem a autonomia dos povos da floresta, com atuação na Amazônia. 

Guilherme Valadares, Lia Beltrão, Alice Fortes, Puwe, cacique Joel e Vari Puyanawa em território Puyanawa, Acre, em março de 2022.

Foi  a partir dela que conhecemos João e Alice Fortes, coordenadores da Aliança Reflorestar da Amazônia, um consórcio de organizações indígenas e não-indígenas voltado para a preservação da floresta e de seus povos. João e Alice nos contaram que a Aliança tem realizado projetos de reflorestamento em parceria com povos indígenas do Acre e que gostariam de expandir essa ação.

Inochi e os Puyanawa

O reflorestamento do território Puyanawa está ligado a um movimento de revitalização cultural e espiritual, na qual o encontro com o povo Ashaninka foi fundamental. Conheça um pouco dessa história nesse documentário produzido a partir de imagens da viagem de Lia à região.

A partir daí começamos uma costura da relação entre a Aliança Reflorestar e a Inochi que resultou no compromisso do Kaz e sua equipe em arrecadar fundos para a realização de um projeto de reflorestamento no território Puyanawa, no estado do Acre. O objetivo do projeto é plantar 4500 mudas em um sistema agroflorestal em um área degradada do território Puyanawa e monitorar estas mudas pelos próximos três anos. Mais de 70% do valor do projeto é destinado diretamente para a comunidade indígena, que é a responsável pelo coordenação do plantio e do monitoramento das árvores.

Esta etapa de elaboração, ajuste e aprovação do projeto significou bastante trabalho e passamos a contar com a ajuda de mais pessoas da comunidade, como Luiz Eduardo Alcântara, Silvia Strass, Elder Martins e outros.  

Para o Kaz, era importante conhecermos in loco o território Puyanawa e as pessoas que iriam efetivamente colocar a mão na massa plantando e monitorando as mudas. Assim, em março de 2022, Guilherme Valadares e eu viajamos à Amazônia para conhecer os Puyanawa e também os Ashaninka, cuja experiência em reflorestamento foi a grande referência para o que os Puyanawa estavam começando a fazer em seu território.

Plantando floresta

As fotos que você vê acima são do plantio das mudas no território Puyanawa. Entre fim de março e começo de abril de 2023, 25 pessoas da comunidade se reuniram e plantaram cerca de 4500 mudas, entre açaí, laranja, mandiroba, ipê rosa, graviola, jaca, cupuaçu, angelin e outras. Uma pessoa chave nesse processo é Puwe Puyanawa, que tem coordenado o projeto de reflorestamento e mobilizado tanto os próprios Puyanawa — o grupo conta com agentes agroflorestais, como o Lucas — como povos vizinhos, como os Nawa e os Nukini, que participaram do mutirão que conhecimento e a troca fossem expandidas.

A área onde está acontecendo a implementação do Sistema Agroflorestal (SAF) foi escolhida pela comunidade – era uma antiga área de pasto localizada entre a Vila Nova Ipiranga e o Ninho do Beija-flor, que é onde também está localizada a estufa onde os Puyanawa cultivam as mudas. Com as novas roçadeiras que chegaram, foi possível preparar o terreno para o plantio e também elas serão necessária para o acompanhamento do SAF durante os próximos três anos. Todo o manejo, escolha das espécies e encaminhamento das mudas será feito pela própria comunidade.

Mensalmente, vamos contar aqui como o projeto tem andado.

Como apoiar

Se você tem interesse de apoiar com qualquer valor, por favor, clique aqui:

O plantio de 4500 mudas já está em curso no território Puyanawa. Mas nós podemos continuar a apoiar diretamente o reflorestamento da Amazônia e mitigar os efeitos da emergência climática. 

Nossa aspiração aqui no lugar é seguir arrecadando fundos para, junto com a Inochi, patrocinar mais ações de reflorestamento em parceria com a Aliança.

Se você deseja fazer uma doação via PIX ou apoiar de outra forma, por favor escreva para coordenação@olugar.org com o assunto: “Reflorestar”.

“Somos nós que precisamos da ajuda dos povos da floresta. É deles o conhecimento sobre como viver apesar das ruínas. São eles os que têm experiência sobre como resistir às grandes forças de destruição. Para que tenhamos alguma chance de produzir movimento de resistência precisamos compreender que, nesta luta, nós não somos os protagonistas.”

— Eliane Brum

Sensei Kaz em movimento 

Como parte de seus esforços de arrecadação de fundos para o projeto na Amazônia, Kaz Sensei produziu uma série de obras que ele denominou “Flying Rivers” (Rios voadores). Em setembro de 2022, o fotógrafo Zé Paiva esteve na casa de Kaz em Berkeley, na Califórnia, e fotografou belamente este processo. Mais fotos aqui.

Kazuaki Tanahashi em processo de criação da pintura “Flying Rivers ” (Rios Voadores) em seu estúdio na Califórnia, foto de Zé Paiva

O que vem a seguir

Adotando a visão Eliane Brum decidimos fazer da proteção da Amazônia e seus povos o tema central do próximo ciclo do Pensamento Profundo, Ação Eficaz.

Além da arrecadação de fundos para ampliar as ações de reflorestamento em parceria com a Aliança Reflorestar da Amazônia, uma outra ação crucial para transformação do nosso olhar sobre a floresta irá acontecer: uma viagem à Amazônia especialmente para participantes do lugar. A ideia da viagem surgiu a partir do interesse que a comunidade demonstrou em conhecer o povo Ashaninka, que foi crucial para que os Puyanawa dessem início à sua retomada cultural e iniciassem ações de reflorestamento em seu território. A viagem está sendo organizada por Alice Fortes, com meu apoio e vai acontecer em maio de 2023. Esperamos que seja a primeira de muitas e que muitos bons frutos surjam dela!

Relato da nossa viagem para a Amazônia

No dia 15 de maio de 2023, Lia e participantes do lugar que acabaram de voltar da Amazônia nos contaram como foram os dias na floresta, o que aprenderam com os Ashaninka, e os sonhos que estão nascendo. O encontro teve relatos muito bonitos.

o encontro foi repleto de fotos e histórias

Referências do encontro: