“O que o bodisatva da grande compaixão faz com tantas mãos e olhos?”

por Fábio Rodrigues

Este é o começo do clássico e poderoso Koan que Roshi Joan Halifax nos apresentou e que nos guiará através do ciclo “Mãos e Olhos”, onde vamos explorar visões e práticas de compaixão ao longo de sete semanas. Será tudo online na comunidade do lugar. Aqui você pode saber mais e participar →

Avalokiteshvara (觀音 – Guānyīn em chinês; Kannon em japonês) é como um arquétipo, uma inteligência, a imagem do bodisatva que mantém o voto de habitar em meio ao mundo para transformar todo o sofrimento até que o último dos seres encontre a liberação. Uma imagem que nos aponta a inteligência central da vida, aquilo que é mais essencial e inegociável: todas e todos, sem nenhuma exceção ou distinção, desejamos não sofrer.

Arte de Fábio Rodrigues

Na imagem que criei para apoiar e celebrar e este ciclo, está uma das mil mãos com olhos de Avalokiteshvara. O que significa?

Mãos e olhos: Roshi Joan explica que “Avalokiteshvara é frequentemente representado com mil braços nos quais há mil mãos, e cada mão tem um olho. As mãos representam os infinitos meios hábeis e os olhos simbolizam a sabedoria. E Avalokiteshvara exemplifica a capacidade de integrar profundamente meios e sabedoria.” Os cinco dedos simbolizam, ainda, as cinco perfeições ou paramitas: generosidade, ética, paciência, energia constante e concentração. O olho simboliza a sexta perfeição, da sabedoria ou clareza cognitiva, e sua posição no centro da palma indica que a expressão perfeita dos cinco métodos depende, se origina ou é inseparável do sexto, a sabedoria.

Flor de paineira, desenho de Fábio Rodrigues

Flor: Tradicionalmente Avalokiteshvara segura uma flor de lótus dourada ou azul, que simboliza a aspiração natural e inabalável de alcançar o despertar para benefício de todos os seres sem distinção. Linda e cheia de significados profundos, a flor de lótus talvez não seja tão familiar para nós, no Brasil. Então, me desculpando com liberdade artística, ofereci à mão do bodisatva uma flor de paineira (outros nomes são sumaúma, barriguda, árvore-de-lã…), que é nativa nas florestas brasileiras, ocorre em quase todo o país e está florescendo agora. Por crescerem rapidamente, são muito comuns nas áreas degradadas em recuperação. Seu tronco vigoroso tem grandes espinhos que começam a cair quando a árvore alcança os vinte anos, quando então ela começa a receber ninhos de pássaros. Ao amadurecer e perder espinhos, ainda mais vida pode ser acolhida. De certa forma, assim como todos os fenômenos, a flor da paineira pode também apontar o espírito do despertar florescendo em meio à degeneração.

Radiância: Há um ânimo natural, criativo e expressivo que nasce da compaixão e que confere sentido profundo à vida. A radiância representa a manifestação dessa alegria. Quando fazemos as coisas com a motivação usual, autocentrada, também surgem sentidos que parecem muito verdadeiros. Mas, sem lucidez e compaixão, não importa quão reais essas alegrias pareçam, elas são essencialmente frágeis, cíclicas e oscilantes. O sentido mais confiável que podemos encontrar, mais profundo e inesgotável, brota da motivação e das ações que estiverem imbuídas de compaixão.

Céu: Ao fundo, perene, amplo, acolhedor, silencioso, sempre presente e disponível, ainda que sem se mostrar (talvez só agora sendo notado), há o espaço incomensurável do céu. Lama Padma Samten explica: “Estamos acostumados a ver objetos, não estamos acostumados a ver o ambiente. O aspecto secreto é o ambiente. Os objetos vêm e passam. A gente vai observar esse céu azulzinho lá em cima, que é o ambiente, e vamos nos dar conta de que os objetos dentro do ambiente vêm e vão, mas o ambiente mesmo é estável. […] Nós estamos contando a história dos objetos, mas a gente não conta a história do espaço que está ali, calmo, e acolhe os objetos todos.” Tudo se dá nesse espaço básico. Todo o engano e todo o sofrimento, e a compaixão e todas as manifestações possíveis. Ainda que a gente se perca, o céu nunca se perde. É para onde podemos sempre olhar, recuar, enfim, repousar seguros. Pés firmes no céu, mente na terra.

Que essa imagem possa de alguma forma nos lembrar e inspirar para a compaixão. Que a compaixão amanheça como um sol no vasto céu dos corações, alcançando todos os seres, mundos e tempos!


Serigrafias das Mãos e Olhos da compaixão

Estão disponíveis à venda algumas peças de serigrafias artesanais com a arte que foi criada para o ciclo Mãos e Olhos sobre compaixão. Para saber mais e adquirir uma ou mais peças, e assim apoiar meu treinamento com Kazuaki Tanahashi Sensei, é só visitar esta página →

Você pode também me acompanhar e ver outras pinturas na página artecontemplativa.com e pelo Instagram: @iodris