É a alegria que vai nos salvar!

por Gustavo Gitti

Sua Santidade o Dalai Lama e Desmond Tutu, grandes amigos e autores de The Book of Joy (Contentamento, no Brasil) — foto de Tenzin Choejor

A alegria cura a raiz mais sutil do desânimo. Como ensinava Chagdud Tulku Rinpoche, se eu me alegro apenas com os eventos da minha vida, fico feliz a cada seis meses, com sorte. Porém, se me alegro com as alegrias dos outros, é difícil não me sentir nutrido todos os dias.

A alegria empática é o antídoto para a inveja. Ao nos depararmos com gestos e qualidades positivas, com a beleza de alguém, com a habilidade de uma musicista, podemos competir ou nos regozijar.

A alegria nos impede de transformar em obrigação aqueles trabalhos que começamos por liberdade, curiosidade e diversão.

A alegria é a melhor cola social. Se quiser entrar na vida de alguém, participar de um projeto maravilhoso ou até apresentar duas pessoas, escolha a apreciação: “Que incrível, que maravilhoso, que bom…”

A alegria nos traz de volta ao corpo  — se estamos sensíveis, é muito mais difícil cometer um ato violento, já que sabemos que o outro também sente.

A alegria nos tira da preguiça irresponsável. O melhor da vida é inadiável, como o pôr do sol, o parto, a morte. Cada segundo conta. Não tem botão de soneca na vida. Ao tentar postergar nosso despertar, deixamos para as próximas gerações os problemas do aquecimento global, da desigualdade, do sistema prisional e dos shopping centers.

A alegria é a própria linguagem da vida. Quanto mais apreciamos, mais a vida se mostra, mais coisas aparecem para serem apreciadas. A vida inteira foi feita para a mente do regozijo. Apreciar, desfrutar, se deleitar são os verbos mais próximos de “viver”. A alegria convida a vida. A alegria abre, chupa e come a vida inteirinha. A vida foi feita para a vida. Alegria é o que surge quando reconhecemos isso.

A alegria vem junto da generosidade e da sensação de riqueza. Como diz Roshi Joan Halifax, nossa prática é “dar vida à vida”.

Sua Santidade o Dalai Lama e Desmond Tutu (Foto: Tenzin Choejor)

A alegria nos devolve o tempo que perdemos entre a distração e o torpor, entre a correria e o tédio, os dois extremos da apatia. Correria é a sensação de que tempos pouco tempo  — o momento já passou, estamos atrás. Tédio é a sensação de que temos muito tempo  — o momento ainda não chegou, estamos à frente. Nenhum deleite surge daí, mas de uma presença sincronizada: nem antes, nem depois, nem atrás, nem à frente, nem mesmo no famoso “aqui e agora”, tão insubstancial quanto o passado e o futuro. Lembro do poeta Octavio Paz: “nós somos o tempo, não são os anos que passam, mas nós que passamos”.

A alegria protege a compaixão ao evitar que nossa mente caia em desespero e impotência ao encontrar mais e mais sofrimento. O olho da alegria vê o que está dando certo e equilibra o olho da compaixão, que vê tudo tanta dor, injustiça e destruição. Sem alegria e apreciação, perdemos a fé na humanidade, geramos uma atitude niilista, cínica e desistente. Sem alegria, não conseguimos sequer ter o que oferecer como outra possibilidade diante do sofrimento. Vamos ajudar aquele ser para depois viver o quê? Ao perder a alegria, perdemos junto a compaixão. Do mesmo modo, a compaixão mais vigorosa sempre vem junto com a alegria. E a alegria mais profunda nunca ignora o sofrimento e sempre vem junto com a compaixão.

A alegria é o próprio contentamento que tanto buscamos. A alegria não vem das coisas, mas da capacidade de se alegrar com qualquer coisa.

A alegria é o grande critério: para saber se uma relação está saudável, sinta se o seu coração se alegra sem esforço, apenas de desejar e estimular o florescimento do outro.

A alegria é a própria paz. Se fizermos o voto de não deixar ninguém fora, qual será o tamanho do nosso peito? Não é o caso de incluir: eles sempre estiveram no mesmo barco, precisamos apenas parar de teimar que eles não estão. A origem de todas as guerras é a crença de que existem inimigos. Se incluímos apenas família e amigos, aqueles seres que são “meus ou minhas alguma coisa”, nos limitamos. Mas se nos dispomos a incluir absolutamente todos os seres, nossa alegria tende a perder os limites. Não pense que é impossível: Lama Padma Samten costuma dizer que nossa mente é tão ampla que consegue chorar e torcer até mesmo por um personagem de cinema! Sem tanto autocentramento, não mais oscilamos tanto entre “Tô bem” e “Tô mal” —  paramos de pensar nesses termos. Quando alguém nos perguntar “Como foi a semana?”, vamos descrever a semana de muita gente…

“A vida é a experiência de participar de tudo.”

—Roshi Joan Halifax
(em um dos encontros na comunidade olugar.org)

Ofereço e dedico esse texto a você, agora diante dessa tela.

Que você possa reconhecer claramente que a vida dos outros é a sua vida. Que você se sinta participando de tudo.

Como não se alegrar?

Trailer do documentário Mission Joy

Quer aprofundar na prática da alegria e da apreciação?

No lugar, temos uma prática por semana. Três práticas que fizemos recentemente aprofundam bastante o que o texto acima só arranha: “Abrir-se para as alegrias do mundo (sugestão de Tim Olmsted no Intensivo SIM 2019), “Alegrar-se com a alegria dos outros” e “Apreciar a riqueza de sua condição atual”, que sugeri e muitos participantes estão fazendo e relatando. Se quiser participar: olugar.org

*Texto publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” da revista Vida Simples (ed. 166, janeiro 2016) e levemente expandido em fevereiro de 2022, após uma semana de exploração em comunidade — a alegria empática foi a prática da semana.