Empatia não é compaixão (por Roshi Joan Halifax)

por Gustavo Gitti

Deixamos abaixo um trechinho do livro À beira do abismo, de Roshi Joan Halifax, que vamos estudar em comunidade por 15 semanas, incluindo encontros com a própria Roshi Joan Halifax e também com Venerável Tenzin Chokgyi, Jeanne Pilli, Cristiano Ramalho, Gustavo Gitti e Fábio Rodrigues. Ao entrar na comunidade pela primeira vez, junto com o livro você ganhará dois presentes junto com o livro! Aqui estão todas as informações ➞

Matthieu Ricard durante uma das pesquisas sobre neurociência da compaixão, ao lado de Richard Davidson

Meu amigo Matthieu Ricard, um monge do budismo tibetano que passou décadas praticando no Himalaia, tem colaborado com cientistas ao longo dos anos em experimentos que exploram os efeitos da prática da meditação na mente e no corpo. Um desses experimentos em particular fornece uma excelente ilustração da angústia empática, bem como da distinção entre empatia e compaixão.

Em 2011, sob a orientação da neurocientista Tania Singer e sua equipe no Instituto Max Planck, na Alemanha, Matthieu entrou em equipamento de RMFi e recebeu a instrução de gerar empatia ao contemplar o sofrimento dos outros. Na noite anterior, Matthieu havia assistido a um documentário da BBC sobre órfãos na Romênia. Ele ficou profundamente perturbado com aquela situação tão desafortunada. Embora as crianças fossem alimentadas e banhadas, elas não conseguiam se desenvolver porque recebiam pouco ou nenhum afeto humano.

Matthieu compartilhou que, para aqueles órfãos, “a falta de afeto havia causado graves sintomas de apatia e vulnerabilidade. Muitas crianças andavam de um lado para o outro por horas e sua saúde estava tão ruim que as mortes naquele orfanato eram comuns. Até mesmo quando recebiam banho, muitas das crianças tremiam de dor e qualquer impacto poderia resultar em uma perna ou um braço quebrado.”

Enquanto estava no equipamento de RMFi, Matthieu mergulhou mentalmente no sofrimento daquelas crianças, visualizando-as vividamente e sentindo sua situação horrenda, como se ele fosse uma delas. Em vez de modular sua experiência com o sofrimento delas, ele se permitiu sentir a dor e o sofrimento o mais profundamente possível. Em pouco tempo, estava esgotado e exausto.

Depois de uma hora dessa prática intensa, deram a Matthieu a opção de continuar com a prática da empatia ou passar para a meditação da compaixão. Ele disse: “Sem a menor hesitação, concordei em continuar o experimento fazendo a prática da compaixão; estava completamente esgotado após a prática de ressonância empática”.

Ele prosseguiu com a meditação da compaixão, ainda se concentrando no sofrimento das crianças. Durante essa fase da sessão, no entanto, Matthieu intencionalmente gerou sentimentos de amor, bondade, cuidado e altruísmo, lembrando-se do extremo sofrimento humano daqueles órfãos.

Quando o experimento terminou, Matthieu descreveu sua experiência durante a meditação da compaixão como um estado cálido e positivo, associado a um forte desejo de colocar-se a serviço das crianças. Isso contrastava claramente com a experiência anterior com a empatia (na verdade, de sofrimento empático), que era completamente desgastante e debilitante.

Seu cérebro também refletia essas diferenças notáveis. As varreduras do cérebro mostraram que sua experiência de empatia havia sido registrada nas redes neurais associadas à dor. Foi demonstrado que essas áreas estão associadas ao componente emocional (mas não ao componente sensorial) de sentir a própria dor e de observar a dor em outras pessoas. Já a fase de compaixão de sua experiência foi registrada em diferentes redes neurais – naquelas associadas com emoções positivas, amor maternal e os sentimentos de filiação. A diferença dramática entre empatia e compaixão surpreendeu os pesquisadores.

Tania Singer, Matthieu Ricard e Joan Halifax

Mais tarde, Matthieu compartilhou comigo que, durante a meditação da compaixão, ele se sentiu inundado por sentimentos de amor e ternura, sentindo-se, depois, renovado e inspirado. Ele escreveu: “O engajamento subsequente na meditação da compaixão alterou completamente minha paisagem mental. Embora as imagens das crianças em sofrimento ainda estivessem tão vivas quanto antes, elas não induziam mais angústia. Em vez disso, senti um amor natural e ilimitado por aquelas crianças e também a coragem de me aproximar e consolá-las. Além disso, a distância entre as crianças e eu havia desaparecido completamente.”

O que Matthieu experienciou foi semelhante à minha experiência com Dolma, a menininha nepalesa que havia sofrido queimaduras terríveis. Naquela época, eu não tinha conhecimento das diferenças neurológicas entre empatia e compaixão, mas sabia que tinha que passar da identificação com a agonia da criança para um estado em que me sentisse enraizada e de completa gratidão por aqueles que estavam salvando sua vida. Depois de fazer essa mudança, como Matthieu, me senti revitalizada pela compaixão que havia surgido em mim.

Tania, Matthieu e seus colegas relataram que esse experimento foi um momento decisivo em suas pesquisas sobre a compaixão. Eles reuniram evidências bastante convincentes da distinção neurobiológica entre empatia e compaixão, e Matthieu também confirmou uma diferença significativa em sua experiência subjetiva desses estados.

Quer estudar esse livro em comunidade?

Qual a diferença entre empatia e compaixão? Como lidar com tanto sofrimento em nós e nos outros sem colapsar? Diante de tantos problemas sociais e ambientais, fruto de desconexão e ignorância, como podemos nos fortalecer como agentes de compaixão e sabedoria no lugar onde já estamos?

Nos últimos quatro anos, mais de 1000 pessoas de todos os estados do Brasil e de 20 países estudaram juntas os livros Um coração sem medo (Thupten Jinpa), O poder de uma pergunta aberta e A lógica da fé (da própria Elizabeth Mattis-Namgyel) e Quando tudo se desfaz (Pema Chödrön). Dessa vez, vamos nos debruçar por 15 semanas no livro À beira do abismo, de Roshi Joan Halifax, publicado pela editora Lúcida Letra.

À Beira do Abismo é uma verdadeira uma aula sobre compaixão e transformação social, incluindo práticas detalhadas, relatos comoventes e diversas pesquisas científicas reunidas por Roshi Joan Halifax em décadas de sua vasta experiência. Um livro perfeito para o nosso momento no mundo e especialmente no Brasil!

Algumas semanas serão conduzidas por Jeanne Pilli (tradutora do livro e professora de compaixão pelo método Cultivando o Equilíbrio Emocional) e Cristiano Ramalho (formado pelo Treinamento do Cultivo da Compaixão, criado por Thupten Jinpa). Além disso, teremos um encontro especial com Ven. Tenzin Chogkyi e outro com a própria Roshi Joan Halifax!

Teremos também manhãs de silêncio com meditações guiadas, práticas sugeridas e rodas de autoorganização para transformação social.

Veja como será ➞ olugar.org/abismo

Ah, para vocês verem como o livro é detalhado, esse é o sumário apenas do capítulo sobre empatia (há outros focados em compaixão, altruísmo, engajamento, integridade…):