Quem é Thich Nhat Hanh?

por Fábio Rodrigues

Roshi Joan Halifax é uma grande mestra da tradição Zen do budismo. Escritora, antropóloga, pesquisadora e artista de fotografia e pintura caligráfica, é uma das professoras que recebemos muitas vezes no lugar, e com quem nossa comunidade desenvolveu uma calorosa conexão e proximidade. Roshi Joan foi aluna próxima do Mestre Zen Thich Nhat Hanh, de quem recebeu ordenação como professora do Darma em 1990, junto com o nome Verdadeira Continuação (True Continuation). O breve relato abaixo foi compartilhado por ela na ocasião da morte do mestre em 2022.

“Meditar não é fugir do mundo. Meditar é olhar profundamente para o que está presente — no corpo, nas emoções, na mente e no mundo ao redor. Vendo com clareza, sabemos o que fazer (e o que não fazer) para transformar as situações.”

—Thich Nhat Hanh

A guerra no Vietnã ardia intensamente — e muitos de nós, jovens nos anos sessenta, também estávamos em ebulição. O Movimento pelos Direitos Civis e o Movimento contra a Guerra se encontraram num momento em que, aos vinte e poucos anos, tocávamos uma fronteira de consciência marcada pela busca por liberdade, justiça, cuidado com a terra e não violência. E, no entanto, em muitos de nós, a indignação moral diante do governo estava longe de ser pacífica.

Foi nesse emaranhado psico-social intenso que chegou, vindo da França aos Estados Unidos, um jovem monge, com o propósito claro de pedir ao nosso país que parasse de bombardear o seu: o Vietnã. Seu nome era Thich Nhat Hanh.

Ao ouvi-lo falar, compreendi que o ativismo social não precisava estar separado da vida contemplativa. Meu coração e minha mente se transformaram, e minha vida, com eles. Para mim, e para tantos outros, Thich Nhat Hanh tornou-se um exemplo vivo do que significa ser uma praticante do budismo engajado. Por causa dele, muitos de nós abrimos nossas vidas a esse caminho.

Foi em meados dos anos 1980 que me tornei aluna de Thay. Seus ensinamentos sobre engajamento, direto e indireto, me acompanham até hoje. Ir a Plum Village nesses primeiros anos foi uma experiência íntima e profundamente significativa.

Por volta de 1990, fui ao Vietnã em nome de Thay, levando costurado no fundo da mala um manuscrito de um de seus livros. Com cuidado e gratidão, entreguei-o à sua comunidade em Huế. Lá, tive a alegria de conhecer membros de sua sangha leiga ligados à Escola de Juventude e Serviço Social. A humildade deles e o amor por Thay me comoveram profundamente. Tive também a sorte de passar um tempo em sua pequena ermida, mantida pronta para recebê-lo, caso pudesse algum dia retornar. E ele retornou — sim, retornou por todos nós.

Agora, ele partiu. Mas seu ensinamento segue vivo, sendo levado adiante por milhares e milhares de pessoas. Eu sou uma entre elas.

Roshi Joan Halifax (Continuação Verdadeira)

“Uma Nuvem Nunca Morre” – Documentário biográfico do Mestre Zen Thich Nhat Hanh

Lucidez e compaixão no mundo em chamas

Mestre Zen Thich Nhat Hanh (1926–2022) foi um monge da tradição Zen vietnamita, autor, ativista, professor, artista, poeta, tradutor e organizador de comunidades budistas no Vietnã, na Europa e nas Américas. Sua atividade foi grandemente marcada pela dedicação em aplicar o ensinamento e a prática budista para restaurar a paz e lidar com o sofrimento do mundo — especialmente o sofrimento dos conflitos sociais, das guerras e crises políticas, da violência direta e sistêmica.

Seu nome de Darma (pronunciado mais ou menos comoTic Niat Hãn), tem um significado muito bonito e profundo: 釋 (Thích) é uma abreviação de 釋迦牟尼 (Shakyamuni) usada por praticantes monásticos como uma forma de “sobrenome religioso”, indicando que pertencem à tradição do Buda; 一 (Nhất) significa um, unidade, completude, algo não dividido ou indivisível; 行 (Hạnh) significa prática, ação, conduta ou caminho. Poderia ser traduzido como Praticante do caminho completo na linhagem do Buda ou Herdeiro da prática indivisa do Darma entre outras formas possíveis.

Mas o mestre era chamado por seus alunos de uma forma bem mais simples: Thầy (師, pronunciado aproximadamente tai), um título carinhoso e reverente que significa professor, mestre espiritual ou monge.

Thay foi ordenado monge em 1942, aos 16 anos, no templo Từ Hiếu ligado à escola Thiền Lâm Tế (臨濟禪, Linji Chan) do Budismo Zen vietnamita, que foi uma das primeiras trazidas da China ao Vietnã. Nos 1950, ele começou a dedicar-se para reavivar a prática budista no país. Sua abordagem tornou-se muito única e bonita, usando linguagem comum, de fácil compreensão, valorizando o papel dos praticantes leigos e a articulação entre meditação, ética, ação coletiva e organização comunitária.

Thich Nhat Hanh e Martin Luther King Jr. em 1966, em Chicago

Nos anos 1960, em meio à guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã, Thay habilmente criou redes de auxílio direto a comunidades civis e recusou alinhar-se a qualquer grupo ideológico. Essa posição radical, que combinava compaixão com crítica institucional, o levou ao exílio.

Foi durante esse período que ele estruturou uma série de iniciativas de longo alcance, entre elas:

“Uma nuvem nunca morre” – Caligrafia de Thich Nhath Hanh

Thay escreveu mais de cem livros, incluindo manuais de meditação, traduções de sutras, comentários e coletâneas de ensinamentos. A noção de interser, que formulou com base nos ensinamentos de Nāgārjuna e da Prajñāpāramitā, tornou-se central em sua exposição: nenhum fenômeno existe por si só, tudo se constrói de forma relacional e inseparada. Assim, sua prática se orientava por três eixos básicos: a observação do sofrimento e da compaixão, a recusa à violência como resposta automática e o cultivo de comunidades íntegras e estáveis de prática.

Seu trabalho continua sendo atentamente observado por meditantes, estudiosos e educadores que reconhecem nele um exemplo de como trazer compaixão e sabedoria a mundos de guerra, violência, opressão, consumo e crescimentismo desenfreado, e a progressiva dissolução das comunidades e dos vínculos sociais.

Thich Nhat Hanh caminhou entre nós como um buda vivo, buscando oferecer o ensinamento que fosse mais adequado, aplicável, compreensível, inspirador e útil ao cotidiano das pessoas e ao contexto histórico em que viveu. Essa foi uma prática heroica, uma marca inconfundível de grandes e verdadeiros mestres. Sua presença foi de uma preciosidade cuja dimensão talvez jamais compreendamos por completo.

Agora, ele partiu. Mas, como Thay ensinava: uma nuvem nunca morre.
Seu ensinamento e sua prática estão mais vivos do que nunca, pulsando e se multiplicando no coração de muitas e muitas pessoas em meio a este mundo em chamas. Que também nós possamos aprender com seu exemplo!

Para quem deseja saber mais, há três lindos documentários que recomendo: A Cloud Never Dies, I Have Arrived, I Am Home e Walk with me.

Um convite para nosso estudo em comunidade

Mestre Zen Thich Nhat Hanh é um dos maiores professores e exemplos de nosso tempo. Diante do colapso do mundo, este é um momento perfeito para nos voltarmos a quem encarou guerras, construiu comunidades e tornou sua mente inseparável da terra.

Por vários meses vamos estudar a mais recente obra-prima de Thich Nhat Hanh, incluindo participações especiais da professora Denise Kato, que recebeu a Transmissão da Lamparina do Dharma e se tornou professora da linhagem de Plum Village.

Esta página é nosso convite de coração para a grande aventura que será esse estudo irrepetível. Ah, e tem um presente lindo que vamos enviar pelo correio pra todo mundo que participar!