O que eu amo quando digo “Eu te amo”?

por Gustavo Gitti

Não é bem com o outro que nos relacionamos. Explico em quatro cenas.

1. Depois do banho, me olho no espelho. Cabelo estranho, nariz torto, barba há tempos sem ver tesoura, barriga crescendo… e uma namorada a caminho, com saudade, louca para abraçar tudo isso. A equação não fecha.

2. Leio o email de uma garota que se apaixonou só de ver os perfis online de um amigo. Imaginou-se em cada foto, seduzida pelas possibilidades.

3. O ex-marido (e são inúmeros) me pede conselhos para resgatar a relação e confessa que não sabe como atualmente está sua ex-mulher. A quem ele se refere quando diz que perdeu a mulher de sua vida? Será que ele perdeu e está buscando não tanto a esposa, mas a si mesmo, o marido?

4. Em um dos episódios da série Seinfeld, George se apaixona por uma mulher em um presídio feminino. Relação perfeita: ele não tem competição, sabe onde ela está o tempo todo e pode ir sempre direto ao sexo. Quando ela sai da prisão, ele termina tudo. Seu envolvimento não era com a pessoa, mas com sua posição, seu ambiente.

Nós amamos o mundo do outro. Mais ainda, amamos a experiência de ser alguém nesse mundo. O relacionamento com o outro é muito mais um relacionamento consigo próprio do que qualquer outra coisa — ainda que acreditemos no contrário. Assim como um homem adora aquela que o faz sentir mais homem, as mulheres se apaixonam pelo mundo do cara (afinal, o que tem de bonito em um homem?). Não importam tanto suas características pessoais, mas como eles dançam entre posições masculinas e femininas.

Em vez de nos preocupar com métodos de sedução ou terapias de autoestima, bastaria cultivar um mundo amplo, rico de possibilidades. Mesmo sozinhos podemos fazer isso. Sua presença ativa um ambiente de mistério, exploração lúdica, calma, espacialidade, frescor? Qual o seu mundo? Quais experiências oferece? Por onde você pode levá-la para passear?

Toda pessoa sabe que será tratada do mesmíssimo jeito que seu parceiro se relaciona com os fenômenos em geral. Ao ver um homem descrever sua paixão por vinhos, a mulher imagina o que essa paixão se tornará quando lhe for direcionada. É por isso que ela observa como ele chama o garçom, como resolve problemas, como brinca com uma criança…

O melhor jeito de conquistar uma pessoa é cultivar uma mente sem bagunça, pronta para recebê-la em casa. Um filme que dá gosto encenar. É já viver em um mundo no qual ela vai querer nascer. Fazer de sua vida inteira uma boa cama para ela se deitar. Porque não é exatamente você que ela vai amar.

*Publicado originalmente na revista Vida Simples (agosto 2011).

Ressalva

Na época não coube em 2500 caracteres, agora considero importante adicionar: este texto fala sobre o amor condicionado, aquele está por trás da grande maioria dos “Eu te amo” por aí, e propõe um pequeno ajuste para ele funcionar melhor. E só.

Alguma clareza sobre essa dinâmica pode nos beneficiar em momentos que desejamos jogar melhor o jogo do amor condicionado. O limite disso é a incapacidade desse processo em realmente nos satisfazer. O que realmente interessa, para quando cansamos de ganhar e perder nesse jogo, é descobrir um outro tipo de relação, uma outra base, um jeito completamente diferente de agir, que curiosamente também é nomeado de “amor” pelas grandes tradições de sabedoria.

O texto acima surgiu em uma tentativa de compartilhar, de modo breve e superficial, algumas das visões por trás de práticas, artigos, diálogos e encontros do lugar, onde estamos concentrando pessoas interessadas em transformação (mente, corpo, relações, trabalho, cultura…).

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