Um amor por palavras deitadas na página
Quem é Norman Fischer?
Roshi Norman Fischer, o autor do livro que vamos estudar nas próximas semanas, é a própria encarnação da criatividade e do poder da imaginação. Pode-se dizer que Fischer é, antes de tudo, um poeta, e um poeta prolífico: são dezessete livros de poesia publicados. Ainda que nenhum deles esteja traduzido para o português, alguns títulos, como Slowly but Dearly (algo como Devagar mas com ternura) e Magnolias All At Once (Magnólias de uma vez só), já nos permitem farejar um pouco de sua sensibilidade e de seu amor pelas palavras.
Fischer é normalmente associado aos poetas L=A=N=G=U=A=G=E, um grupo estadunidense que emergiu no final da década de 1960 e que enfatiza o papel do leitor em trazer sentido para a obra. Em outras palavras, o movimento desafiou a presença “natural” de alguém por trás do texto, vendo o poema como uma construção da e pela linguagem por si mesma. Na biografia em seu site, Fischer fala: “Não há eu ou pessoa, apenas o que surge… a escrita são palavras, como elas soam, como elas ficam quando deitadas na página”.
Esta citação revela, além da visão de uma tendência literária, também o entrelaçamento entre a escrita de Fischer e sua prática no Zen budismo. Fischer diz que por um longo tempo esses dois aspectos estiveram separados, e que só muito depois, de forma não intencional, sua experiência espiritual íntima começou a aparecer na escrita. Ele tem dez livros sobre Darma publicados.
O encontro de Fischer com o Zen budismo começou em 1970, quando ele iniciou seu treinamento no Berkeley Zen Center, na linhagem do grande mestre Shunryu Suzuki. Ele e sua esposa, Kathie, estiveram sob a orientação de Sojun Mel Weitsman e em 1976, se mudaram para o Tassajara Zen Center, onde viveram como monásticos residentes por cinco anos. Em 1980, ambos foram ordenados como sacerdotes Zen e no ano seguinte foram viver na Green Gulch Farm Zen Center, onde Fischer serviu em vários cargos monásticos, incluindo o de diretor. Em 1988, ele recebeu a transmissão do Darma de seu professor de longa data, Sojun Mel Weitsman.
De 1995 a 2000, Fischer serviu como co-abade do San Francisco Zen Center (SFZC). Durante este período, Fischer apoiou a pesquisa, elaboração e instituição formal de um canto de linhagem feminina, ao lado do canto tradicional de linhagem masculina, durante as cerimônias do centro. Ele apoiou a redação de um documento oficial da linhagem feminina – o primeiro documento de linhagem feminina na história de qualquer grande religião mundial – que traça a linhagem de praticantes mulheres desde o tempo do Buda até o presente. De fato, o nome de Norman Fischer é o primeiro que aparece na lista de agradecimentos do livro The Hidden Lamp, uma das mais importantes e completas compilação de histórias de despertar de mulheres nos vinte e cinco séculos de budismo. As editoras Susan Moon e Florence Caplow escreveram: “Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer ao nosso professor, Zoketsu Norman Fischer, pelo trabalho que vem realizando há muitos anos para apresentar a história e a importância das mulheres ancestrais mulheres do Zen, e por seu apoio pessoal e encorajamento a nós duas, também ao longo de muitos anos.”
Em 2000, aposentado de sua atuação como co-abade no San Francisco Zen Center, fundou a Everyday Zen Foundation, uma rede internacional com grupos de prática no Canadá, Estados Unidos e México. A Fundação é descrita como uma comunidade de prática onde estamos “comprometidos em ouvir o mundo, em mudá-lo e sermos mudados por ele”.
Fischer está em constante diálogo com pessoas das mais diferentes áreas: empresários, juristas, cuidadores de doentes terminais, engenheiros de software, meditadores judeus e especialistas em resolução de conflitos. Recentemente, ele trabalhou para o exército dos EUA ensinando práticas de mindfulness para capelães. Ele também foi um dos criadores do curso de meditação ministrado no Google em seu programa para funcionários, chamado Search Inside Yourself.
Em uma fala para o Talk Google, ele usou a Odisséia, de Homero, como um espelho para a jornada espiritual (este é, inclusive, o tema de um de seus livros, Sailing Home) e disse o seguinte:
“É uma linda metáfora pensar no caminho espiritual como uma jornada de volta para casa. A maior parte do tempo, vivemos nossas vidas como se não pertencêssemos, como se não estivéssemos em casa. A metáfora é de fato um sentido – como visão, audição ou paladar. Há coisas que acontecem em nossa vida humana que não podem ser apreendidas pelos olhos, ouvidos, pelo tato, e mesmo pelo pensamento. há aspectos da nossa vida que são muito importantes – talvez os mais cruciais – que só podem ser acessados, de forma escura e imperfeita, por meio da metáfora. É por isso que a arte e a literatura são tão importantes: porque nós precisamos ter acesso a essas partes das nossas vidas. E no final, é isso que as religiões fazem também. Nos oferecem narrativas e metáforas, mesmo que imperfeitas, para entendermos o que são nossas vidas, em suas profundezas.”
—Roshi Norman Fischer (em uma palestra para o Google)
Com uma maneira única de conectar o Darma do Buda com literatura e arte, Norman o faz não pelo simples benefício do diálogo, ou como uma espécie “atualização” do budismo no ocidente, mas como um exercício de investigação contínua de questões intrinsecamente humanas, como “o que significa viver?”.
A sua história como poeta e escritor, mas também como sacerdote, professor e praticante Zen é uma história de amor pelos ensinamentos, mas também pelas palavras e onde elas, deitadas numa página, podem nos levar.
Quer estudar O mundo poderia ser diferente em comunidade?
Em nosso estudo anual, dessa vez vamos nos debruçar no maravilhoso livro de Roshi Norman Fischer sobre imaginação e o caminho do bodisatva — e teremos quatro encontros especiais, um deles com o próprio Roshi Norman Fischer!