A vida tem sua coreografia natural (por Pema Chödrön)
Selecionamos um trecho curtinho do fim do quarto de 25 capítulos do livro Como vivemos é como morremos, de Pema Chödrön, que acabou de ser publicado no Brasil e que estamos estudando em comunidade: olugar.org/vivemos ->
Podemos trabalhar com nosso medo e ansiedade geral pelo fato de não estarmos no controle. Na maior parte do tempo, preferimos ficar com a ilusão de controle e certeza a reconhecer que vida e morte são sempre imprevisíveis. Na verdade, muitas vezes me perguntei: “Será realmente um problema termos tão pouco controle? Será um problema que ao planejarmos nosso dia, ele raramente acontece como previmos? Será um problema que todos os planos sejam escritos na água?” Quando chegou a Covid, eu tinha o ano inteiro planejado e, como aconteceu com milhões de pessoas, todos meus planos foram apagados de repente, como palavras num quadro negro.
Ao longo dos anos, as pessoas dizem pequenas coisas que nos causam um grande impacto. Certa vez alguém me disse, quase de passagem: “A vida tem sua coreografia natural”. Pensei nisso por muito tempo e comecei a acessar essa coreografia natural e experimentar deixá-la fazer o seu trabalho. Descobri que na maioria das vezes, quando deixo as coisas fluírem, essa coreografia engendra algo muito mais inspirado, criativo e interessante do que qualquer coisa que minha mente conseguiria produzir.
Confiar na coreografia natural da vida é outro modo de falar sobre confiar na realidade. Podemos começar a desenvolver essa confiança nos permitindo pequenos gestos de soltar. Quando ensino, por exemplo, experimento permitir que as coisas simplesmente se desenrolem. Antes de dar as palestras que acabaram neste livro, passei um bom tempo lendo e pensando sobre os bardos e fiz várias anotações. Mas quando cheguei ao retiro, na hora de falar diante das pessoas, deixei para trás as anotações e fiquei até curiosa para saber se as palavras chegariam a sair da minha boca. Descobri que meus ensinamentos fluem melhor se eu simplesmente der um passo no espaço aberto e saltar.
Se experimentarmos, com o melhor de nossa habilidade atual, deixar as coisas se desdobrarem naturalmente, acho que ficaremos agradavelmente surpresos. Seguimos em frente e fazemos nossos planos, mas sempre abertos a vê-los mudar. Em consequência, nossa insistência na previsibilidade pode gradualmente enfraquecer. Às vezes, nosso velho hábito ainda se mostrará muito sedutor e ficará quase impossível confiar na coreografia natural. Nesses casos, o melhor conselho que recebi é apenas observar a tendência a controlar, e assumi-la com gentileza. Isso é muito diferente de irrefletidamente querer encurralar tudo, sem consciência do que estamos fazendo e sem noção de seu absurdo. Trata-se apenas de constatar nosso hábito e não nos criticarmos por ele. Esse tipo de autorreflexão também nos proporciona empatia por todas as pessoas que querem tanto estar no controle – ou seja, quase todo mundo neste planeta.
Habituarmo-nos à ausência de chão da vida, um pouco a cada dia, valerá muito a pena no final. De algum modo, apesar de sua presença incessante em nossa existência, ainda não nos acostumamos à mudança contínua. A incerteza que acompanha cada dia e cada momento ainda é uma presença estranha. Conforme contemplamos esses ensinamentos e prestamos atenção ao fluxo constante e imprevisível de nossa experiência, talvez comecemos a nos sentir mais relaxados com as coisas como elas são. Se pudermos trazer esse relaxamento para o nosso leito de morte, estaremos prontos para o que quer que aconteça a seguir.
Quer estudar esse livro em comunidade?
Estamos seguindo juntos por 22 semanas estudando esta obra-prima: o novo livro de Pema Chödrön! Vamos adorar te receber na nossa comunidade online.