Falar a partir da nossa humanidade compartilhada (por Pema Chödrön)
Durante o estudo do livro Acolher o indesejável, de Pema Chodrön, convidamos Silvia Guimarães e Gsé Silva para criarem peças inspiradas no estudo. Deixamos aqui este vídeo maravilhoso criado pelo Gsé, com base no capítulo “Falar a partir da nossa humanidade compartilhada”, e também um trechinho deste capítulo de Pema Chödron. Aproveite!
Todos nós temos uma bondade básica, que naturalmente responde à bondade básica dos outros. Mas, para que essa inclinação natural apareça, é necessária a presença das condições certas. O modo como nos comunicamos é crucial. Quando ficamos à parte e falamos a partir da nossa neurose para a neurose dos outros, criamos mais divisão. Mas quando partimos de um ponto de humanidade compartilhada, nossa fala pode ter um efeito curativo.
Para mim, este é o significado da fala do bodisatva, que comunica respeito por si mesmo e pelos outros, ao invés de desrespeito, agressividade e polarização. É a fala que vem do coração e comunica ao coração.
Trungpa Rinpoche falava sobre criar situações que incentivam as pessoas a se conectar com sua bondade básica. Podemos aprender a falar de um jeito que nos aproxime, assim como aos outros, da sanidade de nossa natureza básica. Essa é uma das habilidades mais importantes que um bodisatva deve desenvolver.
Muitos anos atrás, eu dividia a casa com uma boa amiga. Nós nos dávamos bem, mas algo desconfortável começou a acontecer em nossa relação. Todos os dias falávamos dos outros. E só nos interessávamos em falar de pessoas que podíamos criticar. Dizíamos coisas repugnantes (“Ele faz tal e tal coisa” e “Você viu o que ela fez?”), enquanto fingíamos estar tentando ser compreensivas e ajudar. Era venenoso. Às vezes, eu acordava de manhã e tomava a decisão: “Hoje, vou só ouvir, sem me envolver com a crítica”. Mas era impossível. Não é uma delícia quando alguém vê as coisas como você e critica exatamente a pessoa que você quer criticar? Isso perdurou por muito tempo. Até que um dia, sem planejar, me peguei dizendo a ela: “Vamos parar com isso”. E com certeza ela também andava tentando se desvencilhar da nossa dança nada salutar. Assim, conseguimos largar aquilo bem ali.
Em certo sentido, tive sorte que minha amiga não se ofendeu quando verbalizei o que sentia. Até falar, eu não sabia que estávamos na mesma sintonia. Mas acho que funcionou, porque não parti do ponto de saber mais, de estar acima dela, o que ela entendeu.
Falar com o coração nos aproxima. Parte da visão de que o nosso verdadeiro estado é interconectado. Nossa fala desvela essa interconexão em vez de reforçar o desentendimento de que somos separados. Por outro lado, se olhamos com desprezo para alguém, vendo-o como inerentemente problemático ou ameaçador, nossa fala irá refletir essa polarização mental.