Pantanal, à voz das mulheres (por Luana Ferreira)

por Isabella Ianelli

Recebemos um email da querida Iaçanã Woyames, uma participante do lugar de Belo Horizonte, nos apresentando sua amiga Luana Ferreira, jornalista e especialista em sustentabilidade. Em outubro de 2020, Luana foi ao Pantanal com a tarefa de entrevistar mulheres ribeirinhas. Ela topou publicar seu relato em nosso blog e aqui embaixo seguem suas palavras, permeadas pelas vozes sábias das mulheres do Pantanal.

Que possamos cada vez mais aprender com a sabedoria das comunidades que estão diretamente ligadas à terra. E, ainda mais, que as vozes das mulheres, por gerações ligadas aos cuidados dos outros e do meio, sejam nossos guias nesse caminho. Aproveite!

Eram 14h30, de um dia de outubro, no Pantanal, quando o barco que estávamos silenciou no meio da baía do rio Mutum. Sem o barulho do motor e com total percepção e dedicação aos sentidos, me vi rodeada e entregue ao divino. Tocaram em mim, de uma só vez, os 4 elementos: água, terra, fogo e ar. Havia  ali, naquele momento, a junção de fortalezas intensas, diversas e complementares. E era tudo aquilo que eu precisava. Respirei e agradeci. Senti Deus em todo o meu corpo e em todo lugar. De repente, o motor retornou, e com essa completude seguimos viagem.

Nosso destino era uma comunidade ribeirinha que vive às margens do Rio Cuiabá. Famílias inteiras que há décadas se relacionam e sobrevivem do Pantanal nos esperavam para contar o que têm percebido no bioma nos últimos anos. Mais de 300 pessoas com histórias e práticas de equilíbrio entre a natureza e o homem ali habitavam.

Flagrante de focos de queimada durante uma travessia de barco no Pantanal

“O homem é parte daqui, ele não é o dono”

Essa fala é de Dona Maria, dita categoricamente, como se realmente, não houvesse outra forma de troca com o meio ambiente, se não a de harmonia. Por 20 anos ela é pescadora e nunca pensou em mudar de vida. Pescava, limpava, vendia por ali mesmo ou cozinhava. Porém hoje não dá mais.

“Não tem mais peixe. Planto mandioca pra gente comer. Se há 10 anos eu pescava 15 peixes por dia, hoje são 2, 3, quando estou com sorte.”

Rita nasceu na região e conta que gostava de brincar solta: “Era da terra para o rio, do rio para a terra e, hoje, minha filha quer o mesmo. Mas, por aqui, as coisas mudaram. Outro dia eu vi uma televisão descendo rio abaixo junto a um amontoado de lixo. Então, não dá pra confiar mais.”

A família de Rita está no Pantanal há 4 gerações

O pai de Rita é desses curandeiros com receita natural para tudo, entende do uso de sementes, plantas e ervas e nunca precisou ir ao médico. Ela queria a mesma sorte para a sua filha de 2 anos, mas a fumaça das queimadas do Pantanal tem deixado a criança doente: “Foi a primeira vez que ela adoeceu, a fumaça e o fogo chegaram muito perto da gente”.

O Pantanal mudou. A relação do homem com o meio ambiente mudou. Queimamos, poluímos, extinguimos, brincamos, desafiamos. A cada queimada, a cada agrotóxico, a cada caça, nós desafiamos. Dona Ana, também nativa da região, diz: “De dinheiro a gente precisa sim, mas aqui é mais fácil plantar e colher do que sair pra trabalhar, ganhar dinheiro e comprar comida”.

Às margens do Rio Cuiabá, conversamos com mulheres ribeirinhas, de diferentes gerações, sobre sua história com a região

Muitos moradores da comunidade pensam como Dona Ana – a terra dá o que a gente precisa. Eles sabem disso e reconhecem a importância da vida que ecoa de todos os cantos do Pantanal.

“Acho que vocês, da cidade, que estão de longe, não conseguem entender o que é isso aqui e, por isso, fazem o que fazem ou deixam acontecer o que vem acontecendo.”

Nós, que estamos de longe, realmente não entendemos. Mas, temos a obrigação de não só manter a vida de Dona Maria, Dona Ana — e de tantas outras — como ela é, temos, também, que entender e buscar preservar o bioma como um todo, já que o Pantanal abastece nossos pulmões, estando nós a 1, 10, 100 ou 10 mil quilômetros de distância. Caso contrário, estamos sim, nos matando aos poucos. Não nos importamos com a morte?

Normose é um termo da psicologia que diz da naturalização e automatização de comportamentos que são nocivos às pessoas e à sociedade. Imagine só: você precisa alimentar a você e aos seus filhos. Você escolhe o local para fazer a compra. Na prateleira, várias opções do mesmo produto e todos, absolutamente todos, apresentam um selo comprovando que aquele alimento foi alterado da sua forma original. E não há comprovação de que essa alteração faça bem à sua saúde e a dos seus filhos. E aí? O que você faz? Você compra. Você sabe que pode não fazer bem, mas você compra. Estamos naturalizando, há anos, um comportamento que pode ser nocivo ao nosso bem maior, à vida. E esse é só um exemplo.

Eliza Sophia, de 2 anos, tomando leite fresco tirado por sua família

Ser normótico é viver uma vida tão automatizada que não cabe o questionamento para aquilo que nos adoece e entristece. Então, eu te pergunto, em que momento da humanidade, a relação com o natural, com o nosso instinto primitivo, com os elementos da terra, perdeu o sentido? O que nos falta para cuidarmos da nossa casa? Do ambiente que fazemos parte? De nós? Em que momento, perdemos a conexão com aquilo que nos abastece de vida?

Sugiro respirar, conectar e responder. O sentido está sim dentro de cada um de nós.

Para elas, moradoras do Pantanal, o sentido está claro:

“É preciso olhar mais para o próximo, para a natureza e para os animais. O homem faz parte da natureza, ele não é o dono.”

Taniele, 15 anos

“A falta de entendimento e de consciência sobre a importância do Pantanal faz a destruição acontecer mais rápido. Estamos vendo o Pantanal diminuir.”

Luciene, 22 anos

“Nós dependemos e queremos viver desse lugar, mas quem vem de longe não entende, não cuida. Para eles, isso aqui não tem valor.”

Auricélia, 37 anos

“A nossa distração é a família e natureza, tem coisa melhor?”

Ana Rosa, 57 anos

“O calor só aumenta e ele atrapalha em tudo, mas essa é minha casa, não quero sair daqui.”

Josaine, 36

“Moro aqui a vida inteira. Conheço muito daqui e sei que hoje não tem peixe, hoje tem fogo. Tenho medo que as plantas se acabem, que tudo se acabe.”

Ana Maria, 62 anos

“Gosto de andar, passear nas baias. Estar perto da natureza é algo muito importante, perto dela a gente fica feliz. Mas, a maioria das pessoas não pensa assim. Elas estão perdendo o caminho, se acabando. Não existe amor pelo meio ambiente, acham que podem sair cortando, destruindo, acabando com a natureza. Elas não sabem que a natureza está ficando triste. ”

Marcinéia, 40 anos

Luana Ferreira é jornalista e psicopedagoga, com especialização em Responsabilidade Social e Gestão Ambiental. Fundadora da empresa Sair do Casulo e da loja que leva o mesmo nome. Com 15 anos de trabalhos e estudos em impacto social e ambiental, é escritora, cantora e mãe do Pedro e da Lorena.

Para saber mais e apoiar projetos que atuam em prol do Pantanal e de seus moradores, Luana indica: