O próximo Buda pode ser uma sangha (por Thich Nhat Hanh)
Ensinamento de Thich Nhat Hanh para mais de duas mil pessoas ao fim do evento “Day of Mindfulness” no centro de meditação Spirit Rock, Woodacre, na Califórnia, em outubro de 1993
Meus queridos amigos da Califórnia, a felicidade não é algo que se obtém de fora. Para mim, a felicidade nasce da paz. Com a prática da atenção plena, podemos acalmar nosso corpo e nossa mente. Então, a paz e a felicidade se tornam possíveis. O corpo de Buda está em nós. Usando a energia da atenção plena, podemos tocar o corpo do Buda dentro de nós e ao nosso redor a qualquer momento. E sei que o corpo da sangha está em mim e ao meu redor. As árvores, a grama, o céu azul, as flores são todos elementos da minha sangha. E você é o meu corpo da sangha. Vocês cuidam de mim.
No Vietnã, costumávamos dizer: “Quando um tigre deixa sua montanha e vai para as planícies, ele será capturado por humanos e morto”. Quando um praticante deixa sua sangha, em algum momento ele abandonará sua prática. Temos de tomar refúgio em nossa sangha, nossa comunidade de prática. Nós não conseguimos continuar nossa prática por muito tempo sem uma sangha. A arte de construir uma sangha é crucial para nossa prática.
Se houver uma sangha disponível em sua região, mantenha contato e tome refúgio ali. Se a sangha não tiver a qualidade que você espera, não a abandone. Não procure uma sangha perfeita. Fique com a que você tem e tente melhorar a qualidade dela com sua prática, sua alegria e paz. Isso é muito importante.
Se não houver uma sangha disponível onde você está, então pratique olhar profundamente para identificar elementos de sua futura sangha ao seu redor. Os membros de sua sangha podem ser seu filho, seu parceiro e um caminho bonito na floresta. O céu azul e as belas árvores também são membros de sua sangha. Por favor, use seu talento e sua intuição para criar uma sangha para seu próprio apoio e prática. Nós todos precisamos muito de uma sangha.
Nossa prática deve ser apoiada pelas pessoas ao nosso redor, e podemos aprender a apoiá-las de volta. Nós as apoiamos ao olhar profundamente para reconhecer sementes de paz, alegria e bondade amorosa em cada uma delas. Tocamos essas sementes, regamos essas sementes todos os dias para fazer com que as outras pessoas desabrochem como flores. E quando essas pessoas florescem, todos nós ficamos mais felizes. Temos que ajudar uns aos outros em nossa prática. A prática da meditação não é uma questão individual. Temos de fazê-la juntos.
O Buda Shakyamuni, nosso professor, previu que o próximo Buda seria Maitreya, o Buda do amor. Precisamos desesperadamente de amor. E nos ensinamentos do Buda aprendemos que o amor nasce da compreensão. A vontade de amar não é suficiente. Se você não compreender, não poderá amar. A capacidade de entender a outra pessoa trará aceitação e bondade amorosa.
É possível que o próximo Buda não assuma a forma de um indivíduo. O próximo Buda pode assumir a forma de uma comunidade, uma comunidade que pratica a compreensão e a bondade amorosa, uma comunidade que pratica a vida consciente. E a prática pode ser realizada como um grupo, como uma cidade, como uma nação.
Sabemos que, no espírito do Sutra do Lótus, somos todos alunos do Buda, independentemente da tradição em que nos encontramos. Devemos estender esse espírito a outras tradições que não são chamadas de budistas. Podemos encontrar as joias em outras tradições — o equivalente ao Buda, ao Dharma e à Sangha. Se formos capazes de ver joias em outras tradições espirituais, trabalharemos juntos pelos objetivos da paz e da irmandade.
Devemos incluir todos os seres em nossa prática. Use seus talentos e suas ideias criativas. Organize um dia de atenção plena de modo que as crianças adorem. Muitas crianças que participaram de retiros na América do Norte se divertiram muito. E os pais ficam mais felizes quando veem as crianças felizes. Organize um dia de atenção plena de forma que nossos amigos gostem e queiram praticar cada vez mais. Um dia de atenção plena pode gerar muita paz, amizade, compreensão e amor.
Meus amigos e minhas amigas, mais uma vez, vocês são o corpo da minha sangha. Ofereço-lhes todo o meu apoio e desejo muito que cuidem do corpo da sangha, que é o nosso refúgio. Eu tomo refúgio em vocês, minha sangha.
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Fonte: Inquiring Mind (Vol. 10, No. 2, 1994). Tradução de Larissa Lemos e revisão de Gustavo Gitti.