O que te assombra? (por Luiz Antônio Simas)

por Geovana Colzani

Este é um trecho da fala de Luiz Antônio Simas para o lugar, durante o ciclo COMUNIDADE. A transcrição foi feita por Ana Sharp e Luciano Rocha. Aproveite!

Eu acredito muito em um trabalho muito vinculado ao amiudamento das questões cotidianas. Trabalhar com quem está na minha esquina, trabalhar com quem está na encruzilhada mais perto de mim, trabalhar com quem está na minha praça. É perceber que por mais que isto aqui esteja uma merda absoluta, por mais que a gente tenha um Estado assassino, genocida, vivendo esse momento tenebroso, eu não consigo acreditar numa política que não seja poética e nem numa poética que não seja profundamente política.

Então a construção cotidiana de sentido de vida está acontecendo na minha esquina. Ela está acontecendo na esquina de cada um. Eu não sei o que vai acontecer no futuro — eu não tenho a menor ideia, eu não sei nem se tem jeito para isso tudo, mas eu acredito numa pedagogia do assombro. Eu me assombro ainda com as coisas. Então eu me assombro com o balcão do botequim, com a criança pulando amarelinha na praça, eu me assombro com a roda se samba, com o encontro dos batalhões do Boi Bumbá na noite de São Marçal, eu me assombro com os maracatus tocando à meia noite dos tambores silenciosos, eu me assombro quando uma escola de samba dobra o cotovelo e entra na avenida. Eu me assombro quando eu estou passando numa feira livre — e aconteceu e eu escrevi num livro meu: eu estava passando numa feira perto de casa e do nada um cidadão começou a cantar: “saudade, amor que saudade”. E aí uma barraqueira respondeu no tom esse samba de dona Ivone Lara: “que me vira pelo avesso, que revira meu avesso”. E o cara mandou: “cravaram a faca no meu peito, mas quem disse que eu te esqueço, mas quem disse que eu mereço?”.

A vida acontece! E as pessoas querem viver. A vida está acontecendo. Então a minha função como historiador é mergulhar nessas histórias, né? Eu não digo que elas são objetos da minha história porque minha história não tem objeto, tem sujeito. Então elas são sujeitas da minha história. Eu acho que é por aí. Acho que esse amiudamento do cotidiano, essa percepção do cotidiano, esse fazer cotidiano profundamente politico e também poético, ele é absolutamente fundamental.



Pedras miudinhas, ponto cantado por Luiz Antônio Simas durante o encontro:

Pedrinha miudinha de Aruanda ê
Lajedo tão grande
Pedrinha de Aruanda ê
Três pedras
Três pedras
Três pedras lá na minha aldeia
Uma é maior
Outra é menor
A miudinha é que me alumeia
A mais pequena é que me alumeia


Ouça um trecho dessa fala no podcast do lugar!

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