Todo mundo junto
É que não dá.
Senão a gente poderia ligar para o dono de um bar bem grande: “Cara, vou levar todas as pessoas hoje à noite, tem como reservar a maior mesa?”. Daria um trabalho mandar o convite, mas com Facebook, YouTube e nossa responsividade não seria difícil. Até porque os mais ocupados teriam seus compromissos desmarcados, pelo mesmo motivo: “Vou lá no happy-hour do mundo, você também, né?”.
Teria só de ver a questão das mulheres em trabalho de parto, dos recém-nascidos, dos pacientes terminais, médicos em plantão, detentos, astronautas, marinheiros, velejadores, eremitas e adolescentes no videogame. Não sei como eles poderiam participar.
Lá pelas 19h chegariam os mais próximos, as namoradas, as famílias das namoradas, os caras do trabalho, os vizinhos, pessoas com quem já trocamos emails, todo mundo cujo nome a gente já gravou. Às 20h os seres que algum dia passaram ao nosso lado na calçada, no trânsito, no metrô, no aeroporto, na feira. Depois a galera dos outros estados, países, continentes, alguns bastante cansados da viagem.
Porque poucos falariam português, swahili ou masaba, ouviríamos muitas rodas de tambores e vozes antes do brinde. Habaneras, son montunos, milongas, chorinhos, nongak, invocações yoruba, katajjaq, mariachis, oli, bozlaks, gamelan, fados, cantos yaqui… Mímicas ao redor de uma fogueira (que o dono do bar autorizou), olhares curiosos, gargalhadas, crianças aprendendo e ensinando mil tipos de ampe, adoletá, menina-pega-menino.
Enquanto o pedido das bebidas não chegasse, quem dedicou a vida para resolver os problemas mundiais só se preocuparia agora em conhecer aquela pessoa, depois aquela, depois a outra ali no meio da mesa. Quem está agredindo, roubando, desmatando, humilhando, fofocando, se estão todos à mesa se preparando para o brinde?
Os seres do outro time de futebol, da outra religião, do outro partido político, do outro lado da guerra, os que algum dia discutiram feio em comentários de um texto na internet, aquele cara com quem a ex-namorada nos traiu, todos os nossos inimigos agora teriam olhos humanos, piadas, filhos amados, muitas dificuldades e sonhos, como se fossem nós mesmos nascidos em outro corpo, em outro mundo.
No dia seguinte, eu sairia de casa sabendo que todo mundo, todo mundo mesmo, toda e qualquer pessoa que algum dia eu encontrar por aí também estava naquele bar, naquela mesa, se conhecendo, sorrindo junto. Seria bem mais fácil puxar conversa: “E aí, não lembro de você lá, onde você estava sentado?”.
*Texto publicado na revista Vida Simples (edição de dezembro 2012)
Conteúdo não transforma. O lugar é um convite à prática. Saiba como participar →