Não há festa
Boa parte da nossa angústia vem de perceber os outros felizes, bem resolvidos, curtindo a vida. Quando um casamento desaba ou um trabalho fracassa, parece que nós fizemos algo errado. Se tivéssemos acertado, estaríamos junto com as pessoas sorridentes na grande festa.
Mas não há festa em lugar algum. Ande pelos subterrâneos da vida, converse com psicanalistas, padres, massagistas, cobradores de ônibus, taxistas, prostitutas, lamas, xamãs, e pergunte quem está realmente festejando.
Pare de comprar a solidez dos sorrisos e experimente perguntar, um a um, “E aí, como você tá?”. Com ceticismo, curiosidade, interesse. Não demora: vai descobrir que estamos todos fodidos. Todos com a mesma mente ansiosa, inquieta, carente, hesitante, desconfiada, orgulhosa, preguiçosa, autocentrada, fofoqueira. Todos com o mesmo corpo entortado, de ânimo oscilante, cheio de tiques.
O que chamamos de mente saudável está longe de ser completamente sã. Até as “melhores” pessoas, sem nenhuma doença mental diagnosticada, precisam de ajuda. Se não percebemos que estamos todos igualmente insatisfeitos, estamos muito cegos. E, mesmo sabendo, não temos noção do quanto estamos perdidos.
Precisamos de ajuda. Sem desespero, sem alarme, é essencial listar tudo aquilo que parece subentendido, tudo aquilo que ninguém se dispõe a aprender: não sabemos morrer ou lidar com a morte dos outros, não sabemos nos concentrar, relaxar, sustentar relações positivas ou superar hábitos destrutivos, não sabemos direito sequer como aprender.
E quem poderia nos ajudar? Como diz o sociólogo Zygmunt Bauman, “a cabine do piloto está vazia”. Não somos mais subjetivados e orientados por algum grande Outro (religião, família, nacionalidade, cultura hegemônica, instituições). Também não dá mais para transferir essa responsabilidade apenas para psicólogos, psiquiatras e picaretas da autoajuda. Essa mesma condição pós-moderna que dilui qualquer apoio seguro inaugura uma liberdade nunca antes acessível à humanidade. Como não há mais refúgio exterior, ponto de fuga, apoio seguro, somos quase obrigados a nos reapropriar da responsabilidade que havíamos entregado.
Só nos resta fazer de qualquer outro o grande Outro. Resgatar as rédeas dos processos que nos dão nascimento, construir redes de transformação, espaços e dinâmicas nas quais as pessoas possam se ajudar, se puxar, se impulsionar.
Descobrir a ilusão da felicidade alheia já reduz algum sofrimento. E abre um belo desafio: se não há festa, quais festas podemos começar a oferecer?
Quer colocar isso em prática?
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* Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa”, de Gustavo Gitti, na revista Vida Simples em janeiro de 2012.