Fica comigo?

por Gustavo Gitti

O primeiro namoro passa, o primeiro trabalho passa, o primeiro divórcio passa, o terceiro apartamento alugado, a quinta decepção… Incontáveis pessoas passam. Até nós passamos: minha identidade de adolescente não chega a conhecer a identidade de avô. Diante de tanta impermanência, buscamos por refúgio. O que será que não passa?

Ao valorizar a família e o casamento eterno, na verdade o que desejamos são seres que fiquem. Porque somos inábeis em cultivar relações duradouras, apostamos na conexão sanguínea, que obriga a continuidade. Funciona como uma garantia: você é meu irmão, não há como me largar. “Você entrou para a família” é sinônimo de “Agora posso contar contigo”.

É muito mais raro nos posicionarmos de modo elevado para que isso surja com mais gente, então trocamos a grande família da humanidade por uma família que cabe em um churrasco. Isso explica a quantidade de relações nas quais ambos se agridem, mas nunca cogitam a separação — o outro só me atrapalha, mas ele volta pra casa há mais de 10 anos… onde vou achar outra pessoa permanente assim?

Não apenas nos primeiros beijos, desde a primeira mamada até as últimas exalações na hora da morte, repetimos o pedido: “Fica comigo?”.

fica comigo?
Cena clássica da quarta temporada de Louie

Ninguém vai conseguir nos entregar o que estamos pedindo. Antes de uma pessoa querer ficar com você, ela quer ser feliz. E nós também não parecemos capazes de realmente estar lá pelo outro. Mal estamos lá por nós mesmos! No romântico “I’ll be there for you” (eu estarei lá por você), atente para a conjugação do verbo no futuro: nossa presença é promessa.

Por mais que tenhamos bons amigos e familiares, eles não tem como parar tudo e olhar com calma para a nossa vida. É triste observar como uma pessoa pode sofrer e se enganar por décadas, sem que ninguém ao redor perceba. Estamos irremediavelmente sozinhos. Se ignoramos a realidade da solidão, nos apegamos e tentamos prender o outro. Por outro lado, não podemos evitar: estamos conectados. Se ignoramos a realidade da conexão, nos deprimimos e evitamos os outros. O fato de estarmos conectados coexiste com o fato de estarmos sozinhos, um não reduz o outro. Quando nos comunicamos com a solidão do outro, estamos reconhecendo sua liberdade de ir embora a qualquer momento. O amor aumenta com a solidão.

A má notícia é que seremos miseráveis enquanto teimarmos em exigir colo dos outros. A boa notícia é que seremos felizes na exata medida em que abandonarmos a esperança do colo prometido. É como se fizéssemos o voto extraordinário de ficar para sempre não com alguns, mas com todos os seres — não abandonar, não desistir, beneficiar de mil maneiras. Como você se relacionaria se nunca mais fosse se separar de ninguém?

O segredo da nossa estabilidade é não mais precisar de colo. Claro, podemos dar e receber colo, mas o verdadeiro presente que oferecemos é aquele que o outro já tem: a mesma felicidade que descobrimos, essa de ser como o céu, sempre disponível, ou como a terra, imperturbável, apoiando tudo e todos sem distinção.

Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” da revista Vida Simples (ed. 168, março 2016).

Se quiser praticar autonomia emocional: olugar.org/