Não confie no sucesso; confie na realidade (por Pema Chödrön)
Selecionamos um trecho curtinho do fim do terceiro de 25 capítulos do livro Como vivemos é como morremos, de Pema Chödrön, que acabou de ser publicado no Brasil.
Muitas vezes ouvimos dizer “Não se preocupe, vai dar tudo certo”. Sempre entendi isso como uma tentativa de garantir que as coisas acabarão acontecendo do jeito que nós queremos que elas aconteçam. Entretanto, na grande maioria das vezes, não conseguimos o que queremos e, mesmo quando conseguimos, nosso prazer é apenas passageiro. E grande parte das vezes conseguimos o que não queremos – ah, as vicissitudes da vida.
Trungpa Rinpoche tinha um ditado sobre isso: “Não confie no sucesso. Confie na realidade”. Acreditar que as coisas irão funcionar do modo como queremos é “confiar no sucesso” – sucesso nos nossos termos. Mas por experiência própria, sabemos muito bem que o sucesso não é confiável. Às vezes, as coisas saem do jeito que queremos; outras não. “Confiar na realidade” é uma atitude mental muito mais aberta e relaxada. A realidade vai acontecer, de um jeito ou de outro. Podemos contar com isso.
Tal ensinamento é muito profundo e, ao mesmo tempo, completamente simples. “Realidade” refere-se às coisas assim como elas são, livres de nossas esperanças e medos. Sabendo que esse é o caso, podemos ficar abertos ao prazer e à dor, ao sucesso e ao fracasso – em vez de nos sentirmos vítimas de uma vingança pessoal quando não conseguimos o emprego ou o parceiro, quando adoecemos.
Essa abordagem é radical; vai totalmente contra nosso modo convencional de ver as coisas. Podemos nos abrir tanto ao desejado quanto ao indesejado. Sabemos que irão mudar, assim como o clima muda. E, como o tempo bom e ruim, o sucesso e o fracasso são igualmente parte da vida.
O sofrimento que tudo permeia é nossa luta constante contra o fato de que tudo está completamente aberto, de que nunca sabemos o que irá acontecer, de que nossa vida não está escrita, vai se desenrolando conforme vamos seguindo e há muito pouco a fazer para controlá-la. Vivenciamos essa luta como um persistente murmúrio de ansiedade no pano de fundo da nossa vida. A origem disso está na impermanência de tudo. O universo inteiro está em fluxo. O terreno sólido por onde andamos muda a cada instante.
No entanto, como diz Thich Nhat Hanh, “Não é a impermanência que nos faz sofrer. O que nos faz sofrer é querer que as coisas sejam permanentes, quando elas não são”. Podemos continuar resistindo à realidade ou podemos aprender a enquadrar as coisas de um novo modo, vendo a nossa vida como dinâmica e vibrante, uma incrível aventura. Aí sim estaremos verdadeiramente em contato com o frescor de cada momento, quer achemos nosso parceiro perfeito ou não. Se continuarmos abraçando a mudança contínua desse modo, começaremos a perceber o murmúrio da ansiedade aquietando-se e lentamente desaparecendo.
Habituarmo-nos à ausência de chão da vida, um pouco a cada dia, valerá muito a pena no final. De algum modo, apesar de sua presença incessante em nossa existência, ainda não nos acostumamos à mudança contínua. A incerteza que acompanha cada dia e cada momento ainda é uma presença estranha. Conforme contemplamos esses ensinamentos e prestamos atenção ao fluxo constante e imprevisível de nossa experiência, talvez comecemos a nos sentir mais relaxados com as coisas como elas são. Se pudermos trazer esse relaxamento para o nosso leito de morte, estaremos prontos para o que quer que aconteça a seguir.
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