Não existe ex-relação

por Gustavo Gitti

Namoro há quatro anos, meu relacionamento anterior “acabou” há seis anos; logo essa relação de ex é (e sempre será) mais duradoura. Fácil encontrar ex-maridos e ex-esposas que viveram juntos por dez anos e estão separados há vinte. Separados? Ou ainda se relacionando de outro modo? Se há filhos, a outra relação fica evidente, mas mesmo sem filhos ainda vivemos todos no mesmo barco.

A relação de ex é tão ou mais importante do que qualquer outra relação mais próxima. Se não for bem direcionada, ainda pode nos fazer sofrer, trazer obstáculos, não favorecer nosso crescimento. Durante um retiro sobre relacionamentos lúcidos, lembro do Lama Padma Samten dizendo algo assim: nós fazemos uma grande preparação para o casamento, mas deveríamos igualmente dedicar todo aquele amor, atenção, energia, cuidado ao processo de divórcio.

Muitas vezes guardamos nosso pior para o fim, levantamos as brigas mais desumanas, dizemos coisas como se nunca mais fôssemos encontrar a pessoa por aí, tentamos nos livrar do outro o quanto antes (supondo que nos livraremos de nossa própria incapacidade de viver melhor). Ignoramos o bom senso: as relações sempre seguem em diferentes âmbitos e distâncias, elas nunca acabam, mesmo quando alguém morre — e não me refiro a espíritos, mas ao simples fato de que continuamos vinculados a todos e tudo o que surge em nossa mente.

Portanto, o melhor a se fazer é pacificar a relação, deixar o mínimo possível de culpas e mágoas, resolver tudo o que dá e se propor a seguir resolvendo. Realmente liberar o outro e desejar sua felicidade, amá-lo enfim. Esse processo nunca acaba, é um trabalho contínuo, igual com a relação atual. Aliás, todas as relações são atuais — não pense que alguma ficou para trás.

Esse convite é real

Em vez de apenas terminar, podemos nos dedicar a construir positivamente a relação nascente. Dá até para oferecer uma festa de descasamento para celebrar os novos tempos, como fizeram Karen Elson e Jack White e, muito antes, Yolanda Penteado e Ceccilio Matarazzo.

Por abrir a visão do outro como um ser livre, tal pacificação pode nos surpreender. Conto uma história real. A relação estava em declínio, muitos problemas e brigas, então eles decidiram se separar. O processo foi bastante longo e cansativo, até que enfim eles saíram do cartório oficialmente divorciados, exaustos mas aliviados, com quase tudo resolvido. E decidiram tomar um café. Pouco antes de pagarem a conta já estavam namorando.

(Nota aos românticos: alguns anos depois eles terminaram. E seguem.)

* Publicado originalmente na revista Vida Simples (edição de março 2013)


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