Plantar na Amazônia — diário de viagem aos Territórios Puyanawa e Nukini

por Lia Beltrão

De 22 de março a 03 de abril de 2025 Lia Beltrão acompanhou a equipe da Aliança Reflorestar da Amazônia em visita à Terra Indígena Puyanawa (Mâncio Lima, Acre), onde desde 2023 está acontecendo um projeto de reflorestamento com apoio da comunidade do lugar, Inochi e Natureza Karuna. O objetivo era acompanhar o plantio de cinco mil mudas em Sistema Agroflorestal feita pelo Centro Ewe Pidu (Ninho do Beija-flor). Dessa vez a viagem incluiu também uma visita para conhecermos as ações de regeneração que estão acontecendo no território vizinho, pelo povo Nukini.  

Sábado, 22 de março

Hoje é o primeiro dia dessa viagem que é a culminância de muitos e muitos meses de trabalho. Desta vez, eu sou a única pessoa do lugar/Inochi integrando o grupo que está indo à Terra Indígena Puyanawa, no Acre, para acompanhar o plantio das cinco mil mudas. Isso só está acontecendo porque nossa campanha, que começou no dia do aniversário de 92 anos de Kazuaki Tanahashi Sensei, a grande força mobilizadora desse projeto, foi um sucesso.

Além das quase 500 pessoas que fizeram doações para o projeto (do Brasil, Estados Unidos e Japão), a Natureza Karuna, que se tornou nossa organização parceira nesse segundo ciclo, dobrou cada doação recebida. Resultado: entre outubro e dezembro, conseguimos arrecadar os 300 mil reais que precisávamos para o plantio acontecer em março. 

Para mim, a viagem começou com um voo de João Pessoa para Brasília. Como os voos para minha cidade são pouquinhos, acabo sempre passando a noite na casa de uma amiga querida, a Lívia Stábile (que também é do lugar), em Brasília. Já está virando tradição esse jantar e café da manhã rapidinho com Lívia antes de seguir viagem na entrada e na saída da floresta.  

Na saída de casa confesso que senti falta de Daniel Cunha. Na última viagem que fizemos para a Amazônia, em dezembro, foi muito bom ter alguém como o Dani para dividir as tarefas mas sobretudo para conversar sobre o que estávamos testemunhando juntos. A Amazônia é um universo, cheia de belezas, mas também contradições, camadas e camadas de história, espiritualidade, política. Tudo entremeado de um jeito bem complexo. Então, processar a viagem junto com o Dani, enquanto ela acontecia, foi maravilhoso.

Por outro lado, viajar depois de ouvir todas as falas do SIM Amazônia e enquanto ele ainda está acontecendo está sendo maravilhoso, com vozes boas e poderosas estão ecoando dentro de mim enquanto voo pra floresta. 

Domingo, 23 de março

Chegamos no Acre! 

Encontrei a equipe da Aliança Reflorestar da Amazônia (Alice Fortes, Nina Arouca e Carou — veja o perfil delas aqui) já no avião de Brasília para Cruzeiro do Sul. Três mulheres incríveis, com vasta experiência na floresta e seus povos. Elas estiveram juntas na TI Puyanawa exatamente dois anos atrás, em março de 2023, para acompanhar o primeiro plantio de 5 mil mudas e depois um ano atrás, em março de 2024, para checar como estava o progresso do plantio.  

Nós dormimos em Cruzeiro do Sul para só do dia seguinte partir para o Território Puyanawa. A programação lá é a seguinte:

Tudo isso vai acontecer com o apoio técnico de um agente agroflorestal indígena, Zico Kuntanawa, que já está em Cruzeiro e vai se encontrar conosco na segunda. 

Para completar, no final da semana vai ter a cereja do bolo: vamos visitar (eu pela primeira vez!) o povo Nukini, que tem chamado a atenção da Aliança Reflorestar com ações de regeneração em seu território. Os projetos da Aliança sempre fomentam o intercâmbio de saberes entre diferentes povos indígenas e na medida que o reflorestamento nos Puyanawa se fortalece, queremos ampliar as nossas ações com os vizinhos.

Abaixo algumas imagens dos rios da chegada em Cruzeiro do Sul. Lembrei imediatamente da Dekila Chungyalpa que na sua apresentação no SIM 2025 falou da “poesia dos rios da Amazônia”. 

E como não chamar mesmo de poesia esses corpos de água serpenteando a terra? Dando voltas, indo e voltando, como que se negando a ir direto ao destino, porque mais vale espalhar beleza…

Também uma foto da Alice da cidade de Cruzeiro do Sul e do Rio Juruá, que está super cheio com as chuvas intensas das últimas semanas.

Segunda-feira, 24 de março

Chegamos na Terra Indígena Puyanawa! Depois de comprar em Cruzeiro os últimos itens que precisam estar na mochila de floresta (mosquiteiro para rede, repelente, galocha e chapéu de palha), fizemos a viagem de cerca de duas horas até Mâncio Lima — o município mais a oeste do Brasil e onde estão localizadas outras duas Terras Indígenas, além dos Puyanawa: Nukini e Nawa. 

Nina Arouca, Carou, Alice Fortes, Lia Beltrão e Zico Kuntanawa

Fomos recebidos no Centro Ewe Pidu – ou Ninho do Beija-flor – por Varí Puyanawa, nossa coordenadora local. Depois do almoço, a recomendação era quase uma ordem: ir tomar um banho no igarapé, essa palavra linda que a gente ouve o tempo todo por lá. Descobri depois que igarapé é uma palavra de origem tupi que significa literalmente “caminho de canoa”. Ela é usada para designar pequenos cursos d’água, como riachos ou braços de rios, comuns na região amazônica. Pois bem, fomos nos banhar no igarapé perto do Ninho para finalmente chegar. Na volta, ainda fizemos uma visita rápida ao viveiro, de onde várias dessas mudas vão se despedir nos próximos dias. 

No final da tarde, convidei Alice Fortes e Zico Kuntanawa para participarem comigo do encontro semanal do lugar e contar um pouco da nossa chegada e dos planos para os próximos dias. O dia terminou com a equipe do projeto reunida para tomar um caldo de peixe que o Puwe trouxe enquanto a gente estava no encontro do lugar. 

Terça-feira, 25 de março

Primeira manhã acordando no Ninho do Beija-flor e logo depois do café fomos visitar as áreas de plantio de 2023 e 2024. Nina Arouca, bióloga da equipe da Aliança Reflorestar, e Marga Puyanawa, o principal cuidador do nosso plantio, foram juntos fazer uma visita e abaixo vocês podem ver um vídeo deles falando das impressões do plantio.


Alice, Carou (também da equipe da Aliança), Puwe e eu fomos visitar a área de plantio logo depois e especialmente apresentar tudo para o Zico Kuntanawa, que estava ali naquele espaço pela primeira vez.

À tarde — depois de uma chuva amazônica, que fez a gente achar que todos os planos do dia estavam suspensos — fomos visitar outras áreas ao redor do Ninho do Beija-flor onde já foram plantadas algumas mudas desse novo ciclo. A Nina e o Marga estiveram focados no trabalho de contagem das mudas e medição da área.

Na volta pra casa, encontramos Suli e Madalena, que nesses dias da nossa visita estão ajudando com as refeições e os cuidados da casa, felizes da vida porque pescaram esse tambaqui no açude bem em frente ao Ninho. 

Quarta-feira, 26 de março

A notícia de hoje não poderia ser melhor: aconteceu o tão esperado plantio! 

Alunos da da escola Ixūbãy Rabuī Puyanawa participando do plantio de 5 mil árvores

E mais: fizemos isso em mutirão com vários adolescentes da comunidade! Além de amigos do povo Nukini e de Zico Kuntanawa, recebemos cerca de 40 alunos do ensino médio da Escola Ixubãy Rabuī Puyanawa, a escola local aqui da Terra Indígena Puyanawa. Junto com eles vieram três professores: Eduardo Puyanawa (História), Davi Puyanawa (Práticas Ecológicas e Tradicionais do Povo Puyanawa) e Matias Puyanawa (Biologia e Química). 

O dia foi um sucesso — foram plantadas 830 árvores. Pessoalmente fiquei impressionada com a suavidade com que tudo foi feito. Os alunos super cooperativos, presentes, atentos. Felizes por estarem aqui! 

Foto de todo o grupo reunido de Carol Puyanawa, a comunicadora indígena que foi contratada pela Aliança para registrar esses dias de plantio.

Quinta-feira, 27 de março

Hoje aconteceu o segundo dia de plantio. A escola trouxe mais 40 alunos, dessa vez do ensino fundamental, e avançamos ainda mais: foram 758 árvores. Conversei com uma criança de 12 anos que me confirmou que sozinha plantou 50 árvores.  :)

Ao longo do dia, Carou, da Aliança Reflorestar, e eu colhemos vários depoimentos de professores e alunos da escola enquanto o plantio acontecia. A própria diretora da escola, Edevânia Puyanawa, estava presente. Não apenas para dar início ao plantio, fazer um discurso e sair: ela passou a tarde inteira conosco e colocou a mão na massa. Nos contou de uma disciplina que foi criada há cerca de quatro anos na escola chamada “Práticas Ecológicas e Tradicionais do Povo Puyanawa”, que tem como objetivo levar consciência para o aspecto inerentemente ecológico do modo de vida tradicional do povo Puyanawa e fomentar novas práticas. Falou da importância desse tipo de ação para a escola como um todo, mas para essa disciplina em específico. O professor Eduardo Puyanawa, que foi o grande articulador dessa ação, lembrou também que os alunos estavam ali para poder “aprender a sobreviver da terra”. 

À noite, fomos em bando — Puwe, Varí, toda a equipe da Alinça Reflorestar, Zico Kuntanawa e eu — para a clássica visita ao chapéu (uma construção redonda parecendo um coreto de praça) do Cacique Joel. Vale lembrar que tudo que acontece na Terra Indígena, sejam ações governamentais, de ONGs ou da sociedade civil, só acontece com o aval do Cacique Joel — e não foi diferente no nosso caso. 

A Aliança Reflorestar fez esse trabalho antes e de fato, cada vez que estamos aqui, vamos até o seu chapéu, onde ele fica deitado na rede, fumando seu cachimbo e recebendo as pessoas. Contamos para o Cacique o que fizemos nesses dois últimos dias, falamos da visita da Escola, como está o plantio dos anos anteriores… Por seu lado, ele nos contou entusiasmado da sua própria experiência de reflorestamento em uma área não muito distante do Ninho que tem basicamente a mesma idade do nosso plantio. 

Sexta-feira, 28 de março

O dia começou cedo com a equipe local — Puwe, Marga, Zico, além de Yago Nukini e Luan Nukini, que estão aqui especialmente para apoiar o plantio — em campo para continuar com o trabalho. Mas queria aproveitar para responder uma pergunta do meu amigo, João Petry, sobre onde exatamente está acontecendo o nosso reflorestamento. 

A resposta: estamos plantando desde 2023 em um área degradada da Terra Indígena Puyanawa, localizada na cidade de Mâncio Lima, extremo ocidental do Brasil. A TI Puyanawa tem áreas degradadas desde antes da demarcação, em 2000. Em uma dessas áreas, Puwe e sua família criaram um centro, que se chama Ninho do Beija-flor, focado em regeneração. Eles moram no próprio Centro e a casa funciona também como uma grande pousada para pessoas como nós, que estão apoiando a ação que eles estão fazendo.

É ao redor do Ninho (na língua indígena, Ewe Pidu) que estão acontecendo nossos plantios, e é bem atrás da casa que eles cuidam do viveiro de mudas. E é porque essa família mora aqui, com essa casa de portas abertas para todos, que o nosso projeto está indo tão bem!

Nessa imagem abaixo é possível visualizar a área e um pedaço no plantio 2025 (que está sendo feito agora). Essa área atual de plantio se estende até a floresta, e a intenção é criar esse corredor até o Ninho.

O primeiro plantio que fizemos, em março de 2023, está localizado do outro lado do açude (parte de cima nesta foto). O plantio que começamos em março de 2025 está espalhado em diferentes áreas e uma delas é essa que se pode ver recém arada, do lado esquerdo abaixo na foto.

Sábado, 29 de março

Depois de dois dias recebendo os alunos da escola local (foram mais de 80!) e um dia com a equipe local, fora tudo que foi plantado um pouco antes da nossa chegada, a Nina Arouca nos passou os números do que foi plantado até agora:

🌳 Plantio antes da nossa chegada pela equipe do Ninho do Beija-flor: 1602

🌳 Plantio com o Ensino Médio: 830

🌳 Plantio com o Ensino Fundamental: 758

🌳 Plantio com equipe do Ninho do Beija-flor: 1045

🌳 Total: 4.235

Domingo, 30 de março

Este domingo era o dia mais aguardado por mim — partimos para a Aldeia Recanto Verde, na Terra Indígena Nukini. Alice, Nina e Carou já haviam estado na aldeia rapidamente ano passado, mas para mim tudo estava sendo novo. 

De lá do próprio território Puyanawa, dentro da Aldeia Ipiranga, entramos em um barco para subir o Rio Moa. Quem veio nos buscar foi Xîtî Nukini (se fala Xintin), a liderança da Aldeia Recanto Verde. É muito por conta da visão e força mobilizadora dele que estamos fazendo esse movimento de aproximação, que envolve essa viagem de cinco horas rio acima. 

Na subida pelo rio Moa vamos em silêncio: a paisagem esplendorosa de água e floresta nos convidam ao silêncio, mas é mesmo o barulho exagerado do motor do barco que impossibilita qualquer conversa. Nas horas esticadas dentro do barco, fomos vendo aves e borboletas (muitas!) cruzarem o rio, e alguns poucos barcos na direção oposta levando gente, comida e banana de um lado para outro. 

Zito Kuntanawa contemplando a paisagem do Rio Moa.

Chegamos no Recanto Verde no final do dia e para mim, pelo menos, foi amor à primeira vista. Imagina um território livre de moto, carro, caminhão. Nem bicicleta tem por lá. As coisas pesadas são carregadas por bois, que estão lá apenas para esse propósito. Diferente de outras aldeias, a Recanto Verde já aboliu a criação de gado para consumo. E é sobretudo isso que deixa com que ela tenha mais floresta que as outras sete aldeias da TI Nukini. A Terra Indígena tem um cacique geral, que no caso deles é eleito por voto, que é o Paulo Almeida, mas cada aldeia tem sua própria liderança.

Nós ficamos hospedadas na casa do Xîtî, que é uma casa com arquitetura bem tradicional. Toda de madeira, construída com pelo menos um metro de distância do chão, um pé direito alto e uma cobertura de palha que me faz babar com o capricho do trançado. Pouco tempo depois que chegamos, a frente da casa começou a se encher de gente — adulto, velho, criança — e uma fogueira se fez bem rapidamente. Kapá Nukini, grande parceiro do Xîtî, chegou lá coberto de pinturas tradicionais de jenipapo. Os Nukini são conhecidos como povo-onça e Kapá tinha uma coroa com a pele desse bicho cuja presença é um dos grandes indicativos de uma floresta protegida. 

Em dado momento, Kapá preparou um defumador, misturando em um recipiente de metal as brasas da fogueira com uma resina de sepa (ou breu branco). O cheiro era muito bom e naquela noite de lua nova, a gente iluminado só pela luz da fogueira, foi um deslumbre ver aquele homem cobrindo de fumaça perfumada e curativa toda a comunidade. Eu estava me queixando para o Zico, que estava do meu lado, que tenho estado com mais sono do que o normal. E ele disse: “O Kapá tá vindo e você vai lá para ele te defumar”. Kapá chegou, me levantei, abri um pouco os braços e me deixei banhar por aquela fumaça. Tudo que não precisa ficar, indo embora.  

Dormimos cedo, enquanto os Nukini cantavam lá fora suas canções de um tempo muito antes da gente pensar em existir. 

Segunda-feira, 31 de março

Acordamos na Aldeia Recanto Verde com uma agenda cheia e maravilhosa: tomar café, pegar o barco novamente e subir o Moa, dessa vez em direção à Serra do Divisor, em companhia de Xîtî e algumas outras pessoas da aldeia. Na volta, um jantar comunitário e depois uma conversa em roda para conhecermos as ações de regeneração e a visão de sustentabilidade da aldeia e também nos apresentarmos formalmente. 

A Terra Indígena Nukini faz divisa com o Parque Nacional da Serra do Divisor, localizado entre o Brasil e o Peru, onde nasce o rio Moa. É um lugar de uma biodiversidade incrível e muitas espécies endêmicas. Apesar dessa beleza e de ser um lugar relativamente protegido até agora, é um território em disputa e isso fica claríssimo assim que chegamos lá. Sentei no barco ao lado de Fátima Nukini, artesã que está super envolvida com as iniciativas de regeneração da Aldeia. Fátima me confirmou algo sobre o qual eu já tinha ouvido na primeira visita ao Acre: a proposta de construção de uma rodovia atravessando o Parque Nacional da Serra do Divisor. Depois fui pesquisar e vi que o projeto prevê a extensão da BR-364 por aproximadamente 120 km, conectando Mâncio Lima à cidade peruana de Pucallpa. O objetivo é facilitar a exportação de commodities brasileiras para a Ásia via Oceano Pacífico. Felizmente, em junho de 2023, a Justiça Federal do Acre suspendeu o edital para a construção da estrada, determinando que nenhum avanço ocorra sem a realização de estudos de viabilidade econômica, social e ambiental. No entanto, na Amazônia nunca é possível realmente descansar e a construção da estrada e tudo que ela pode trazer para a floresta e seus povos (lembrando que há indígenas em isolamento voluntário na região) segue assombrando os moradores das margens do rio Moa. 

Na nossa visita, paramos na Cachoeira do Ar-condicionado. Fizemos uma trilha de talvez meia hora por dentro da floresta, no contrafluxo de um riacho, até chegarmos a essa cachoeira linda. Foi bonito ver o que os Nukini e Zico Kuntanawa fizeram antes de entrar na água: tiraram das bolsas urucum e jenipapo e se espelhando na tela dos seus celulares pintaram os rostos antes do banho. A maioria também soprou rapé. Só depois, entraram na água. 

Quando voltamos para a aldeia o sol já estava se pondo. E já começamos a nos preparar para o momento mais importante da viagem: a roda de conversa com a comunidade, que eles escolheram fazer na Maloca onde acontecem também as cerimônias. Acho que estar com nossos futuros parceiros nesse ambiente, sem nenhuma outra agenda a não ser estar na companhia uns dos outros e da natureza, acabou sendo uma excelente estratégia metodológica porque quando, mais tarde, sentamos em roda para conversar, já não parecíamos tão estranhos, e a fala saiu do corpo mais natural. 

Além do Xîtî, estava também presente na roda cacique geral, Paulo Almeida, e cerca de 30 pessoas, entre eles alguns agentes agroflorestais indígenas. Xîtî abriu a roda com muita reverência àquele momento, àquele encontro. Alice, Nina, Carou e eu nos apresentamos de uma maneira muito interdependente. Falamos do nosso papel no projeto, do que nos move, e sobretudo falamos dos seres que fazem parte dessa teia que a gente tá incluída: João Fortes, Kazuaki Tanahashi Sensei, a comunidade do lugar. Alice falou assim pra eles: “Vocês podem imaginar que tem cerca de 500 pessoas aqui com a gente, um exército de gente, que está permitindo isso tudo acontecer”. E parecia que a maloca estava cheia mesmo!

Eu também falei um pouco do Kaz Sensei, das bombas que caíram no país dele quando criança, do compromisso de vida que ele tem e da decisão de, já no final da vida, apoiar a proteção da floresta e seus povos. 

A minha sensação é que depois disso o espaço enfim estava preparado para a escuta e podemos ouvir os desejos e sonhos deles. Xîtî, Paulo e aquela comunidade têm uma visão muito poderosa de transformar a Aldeia em um exemplo de regeneração dentro da TI Nukini e várias coisas já estão acontecendo nessa direção: viveiro, coleta de semente, plantio. 

O intuito da escuta foi entender a visão deles, eles entenderem a forma da Aliança atuar e que ações podem ser apoiadas num primeiro momento. Saímos com algumas possibilidades e nos próximos meses a Aliança vai trabalhar em diálogo com eles para desenhar um projeto inicial. 

Pessoalmente, me senti muito, muito feliz de estar do lado de outras três mulheres, genuinamente comprometidas com uma escuta atenta, uma costura cuidadosa de relações para que as tais “ações” possam emergir de forma mais profunda, mais certeira. 

Terça-feira, 1 de abril

Dia de fazer a viagem de volta da Terra Indígena Nukini para a Puyanawa — dessa vez descendo o rio Moa. Vi, em um banco de areia sozinha na beira do rio, uma garça-real (dá uma olhada aqui porque não consegui tirar foto). Olhando aquele pássaro exuberante na beira do rio fiquei pensando que ainda que a gente sinta que está fazendo um “mergulho profundo” na floresta amazônica com uma viagem como esta, na verdade a gente não consegue ter nem dimensão da riqueza que realmente é esse lugar. A riqueza em termos de biodiversidade, sim, mas também a riqueza das culturas daquele lugar, da visão de mundo, da espiritualidade. A sensação cada vez que eu vou lá é que sei menos — e acho que é assim que é para ser. Tal qual o avistamento da garça real, a gente só vê mesmo uma beirinha e rapidinho. Tem muito mais mundo mais pra dentro.

Quando chegamos no Ninho do Beija-flor descobrimos que Varí estava no hospital. A filha dela e do Puwe, a Luísa, estava passando mal, foi atendida e teve um diagnóstico de malária. Luísa ficou hospitalizada dois dias, já começando com as medicações para a malária no hospital. Varí chegou em casa mais à noite, preocupada mas confiante. Infelizmente, malária é algo bem comum que praticamente todo mundo que você conversa na aldeia já contraiu. Jantamos o nosso último caldo de peixe e arrumamos as malas para partir às 8h da manhã no dia seguinte. 

Quarta-feira, 2 de abril

Pouco antes das 8h nuvens escuras começaram a ocupar o céu. Uma chuva forte caiu enquanto nosso motorista, Kesler, normalmente super tranquilo, apressava nossos abraços de despedida. “Vamos, se não a gente não sai”, ele dizia um pouco nervoso. E realmente, foi uma aventura off-road atravessar a estrada de barro, deslizando em alguns trechos com o carro baixo e pesado. Mas chegamos a tempo no aeroporto de Cruzeiro do Sul para o nosso voo de volta para casa.  

Quinta-feira, 3 de abril

Antes de sair do Ninho do Beija-flor, a equipe da Aliança alinhou com Puwe e Marga os próximos plantios, que irão fechar a nossa meta de cinco mil mudas em breve. A aproximação da escola da comunidade e a visita aos Nukini também fez emergir novas possibilidades de sinergia, que vão ser estudadas por Alice e equipe a partir de agora. E ainda esse ano temos a possível participação na COP30! Muito, muito trabalho e articulação pela frente!

A todos que apoiam diretamente o Reflorestar, aos que se interessam em acompanhar esse movimento, que se alegram com as fotos e vídeos, que sonham junto, podem acreditar: essa viagem aconteceu com vocês. Então, pela companhia que nos fizeram, muito, muito obrigada! 

Um nota pós-viagem

Depois que saímos, a equipe do Ninho do Beija-flor fez o plantio de mais 1250 mudas, totalizando 5.485 mudas.

Para quem gosta de ver nomes bonitos pode ler em voz alta as espécies que foram colocadas na terra esses dias: seringueira, açaí, patuá, sova, ingá, mogno, cacau, caju, jatobá, graviola, goiaba, coco, manga, limão, laranja, cumaru, abacate, eucalipto, jenipapo, jequitibá, copaiba, copaibão, caroba, ipê, sumauma, mirindiba, cupuaçu, rambutã, cajá, imbiriba e aroeira.

Lembrando que ainda estamos em campanha e sua doação faz a diferença. Entre em olugar.org/reflorestar e participe desse movimento com a gente.