Eliane Brum imagina o mundo

por Geovana Colzani

A partir de uma pergunta feita durante o intensivo SIM 2022, Eliane Brum imaginou o mundo com a gente. Agora no SIM 2024, teremos a honra de recebê-la novamente, junto de Wendy Johnson Sensei, Bayo Akomolafe, Sérgio Vaz e Geni Nuñez (além de outros convidados que ainda vamos confirmar!). De 29 de janeiro a 25 de março, vamos começar o ano sonhando outro mundo.

A seguir, a linda fala de Eliane Brum. Aproveite!

Eu imagino muita coisa. Eu imagino algumas coisas assim mais diretas, por exemplo, uma sociedade que tenha uma diferença limitada entre o que ganha o menor e o maior salário. Isso foi uma das imaginações de futuro que veio na nossa plataforma de imaginações do futuro do Liberte o Futuro. É algo bem objetivo, mas que muda tudo, muda muita coisa, não é? Eu não consigo imaginar uma democracia que não seja uma democracia também para os não-humanos, não faz sentido pra mim.

Eu imagino libertar todos os rios que estão enterrados, desbarrar o Rio Xingu e todos os rios da Amazônia que estão barrados por hidrelétricas. Eu imagino uma vida em que os humanos estejam na mesma, não tenha uma hierarquia, não se coloquem no centro, que seja igualitário para todas as gentes. Eu imagino um mundo em que os xamãs não sejam mortos, em que o céu não caia. Eu imagino um mundo sem armas, um futuro sem armas.

Eu posso continuar imaginando muita coisa… No momento, o que eu fico imaginando são as pequenas coisas que eu consigo fazer. É imaginar que a Amazônia não seja destruída, que a gente consiga barrar a destruição da Amazônia antes que ela chegue no ponto de não-retorno, que está muito perto. Que as borboletas possam voltar a ser de todas as cores, porque, vocês sabem, né? As borboletas estão virando pardas a cinzas para poder sobreviver e mimetizando as queimadas. Eu acho que sem reforma agrária não pode existir justiça climática, eu aprendi isso com os camponeses que vivem aqui. Eu imagino todas as terras indígenas demarcadas, como a Constituição de 1988 determinou que isso fosse feito em cinco anos e até hoje isso não aconteceu. Eu imagino um mundo sem agrotóxicos, que a gente tenha comida sem veneno. São as coisas pelas quais a gente está lutando agora. 

Fotografia da série “O ar estremece com as coisas que fogem” (L’air frissonne des choses qui s’enfuien) de Emmanuelle Brisson

É um mundo sem racismo. Não apenas sem racismo, mas sem especismo. Mesmo pessoas que lutam pelos direitos humanos e contra a destruição dos enclaves da natureza convivem sem conflitos com o fato de a gente escravizar as pessoas bois, as pessoas vacas, as pessoas galinhas, as pessoas porcos, outras pessoas que nascem, pensar que têm milhões dessas outras pessoas que nascem, que não podem se mover, passam a vida inteira às vezes sem se mexer, cujas mulheres dessas pessoas, desses povos, são estupradas, seus bebês são arrancados, o leite lhes é arrancado e, então, elas são executadas. E que a maior parte da soja plantada na floresta é para alimentar esses escravos. Eu fico pensando como a gente convive com a normalização de algo tão brutal. Aqui mesmo em São Félix do Xingu, onde foi morta essa família de ambientalistas, um homem, pai, e sua filha mulher. São Félix é o maior rebanho bovino do país. Como é que uma sociedade da Amazônia tem o maior rebanho bovino do país? Como é que se chega a esse ponto? A gente sabe como é que se chega, são 17 bois para cada pessoa. 

Todas essas coisas…que mundo de merda a gente criou e impôs a todos os outros. Mas, como dizia o Eduardo Galeano: “esse mundo de merda está grávido de outro”. Acho que é muito importante a gente imaginar coisas sem freios assim e sem medo de imaginar. Mas a gente também precisa imaginar agora o que a gente pode fazer agora, como essas intervenções, essas lutas, intervenção no Congresso. Lutar lá em Brasília, fazer essas coisas que a gente pode começar a mudar já, que a gente precisa.

SIM 2024: Intensivo online para sonhar outro mundo